sábado, 12 de março de 2016

O Drama Europeu: A Superação – A Crise dos Refugiados e o Quinto Império

Nos dois anteriores textos referi como a resposta à dissolvência da matriz identitária da Europa no panorama internacional conduziu a uma descaracterização interna resultando tal num agudizar da crise identitária que acomete a União Europeia a este drama de que vos falo. Como superá-lo?

Resultando este drama de uma confluência de duas vertentes de alienação identitária, a ocorrida no plano externo e a respondida no plano interno, torna-se imperativo que a superação do mesmo ocorra nas duas vertentes.

No plano interno, urge desfazer o que de mal se fez. Tal implica retornar urgentemente à matriz identitária inicial da Europa e aprofundá-la; recuperar a Economia Social de Mercado enquanto modelo socio-económico vigente e abandonar esta rendição ao Capitalismo de Último Reduto. Esta recuperação da Economia Social de Mercado deve ser feita com um aprofundar dos princípios de cooperação e solidariedade que a sustentam e que são fundamentais à sua subsistência. Neste plano, e como sinal inequívoco do aprofundamento destes princípios, torna-se imperativo o desenho e implementação de uma política fiscal comum (vide Eurobonds) que não deixe a política monetária e a moeda única nesta orfandade definhadora do futuro europeu e das possibilidades da União Europeia.

No plano externo, referi em escritos idos, que existem duas formas de facultar poder diplomático no contexto internacional, a via militar e a via financeira; referi já o despropósito e absurdo condenados ao fracasso que seriam a União Europeia tentar adquirir um papel de relevância à mesa do mundo pela via militar e demonstrei ainda como a tentativa de recuperar essa mesma relevância pela via financeira degenerou numa crise identitária interna que se somou à externa no resultado desta drama europeu. Assim, proponho uma terceira e não tentada via para a aquisição de influência política no plano internacional: a via da opinião púbica. Creio, genuinamente, que um poder conferido por uma opinião pública, generalizada e magnânima favorável é mais forte do que aquele conferido por canhões e dólares. Tal assunção é comprovável de diversas formas mas julgo que a mais cristalina de forma a melhor se compreender o que falo reporta-se aos próprios manuais de estratégia militar, em que é comumente assumido que o sucesso ou fracasso das operações desta natureza depende vitalmente da aceitação ou repúdio por parte da opinião publica dessas intervenções, e por isso os governos que embarcam em tais empreitadas despendem tanto tempo e recursos a convencer a opinião publica da justeza dessas iniciativas bélicas (vide governação de George W. Bush); e não é por isso também de estanhar que quando a opinião pública deixa de sustentar tais operações, estas pareçam iniciar um desfalecimento conducente as seu fracasso (vide Vietname e Iraque). Facilmente se concluirá que um Estado ou uma entidade supranacional como é o caso da União Europeia, se for percepcionada pelo opinião pública generalizada, massiva e magnânima como o bastião dos valores e princípios humanitários e humanistas, da solidariedade e de conduta social correcta e justa, essa mesma entidade torna-se, no panorama internacional, inexpugnável e detentora de um poder imune a canhões e “incorrompível” a dólares. Esta é a via que proponho para a União Europeia recuperar a sua preponderância internacional e assim resolver a alienação identitária que, também neste contexto, a definha no seu futuro e nas suas possibilidade, a via de uma opinião pública magnanimamente favorável. Como consegui-lo? Consegui-lo-á por via da Crise dos Refugiados! A crise dos refugiados constitui-se numa oportunidade única para a Europa se afirmar como o bastião dos valores e princípios humanitários e humanistas, da solidariedade e da conduta social correcta e justa; para tal terá de, como é óbvio, alterar radicalmente o paradigma que tem ditado a sua actuação perante este que é provavelmente o maior desafio do mundo actual e assumir-se definitivamente como a entidade que acolherá, albergará e cuidará dos espojos humanos resultantes das outras vias do poder, a militar e a financeira. Ao fazê-lo, a União Europeia elevar-se-á e ao conseguir o poder de uma opinião publica internacional que lhe seja esmagadoramente favorável, colherá benefícios que ultrapassarão em muito os custos associados a uma política dedicada, comprometida e decidida no acolhimento e integração humanitária dos refugiados. Não perceber isto politicamente apenas se poderá explicar pelo pragmatismo bacoco e redutor das possibilidades da União que parece, nos últimos tempos, ter tomado conta do destino da Europa.

Dirão que tal perspectiva é idealista e ingénua…Sim, é verdade! Mas trata-se de um idealismo consciente de que o é…de um idealismo consciente de que o pragmatismo redutor, de que falei no final do parágrafo anterior, reduziu a Europa a uma Europa a duas velocidades cuja concretização é conduzida e orquestrada por um bando de tecnocratas e burocratas que, a partir de Bruxelas e escudados em Maastricht, se impõe, arrogante e abusivamente, a governos democraticamente eleitos…de um idealismo consciente que apesar do sonho de Martin Luther King nunca se ter concretizado, 50 anos depois tivemos como homem mais poderoso do mundo um homem negro…de um idealismo consciente de que os grandes avanços civilizacionais não ocorrem decorrentes de pragmatismo mas sempre enraizados em idealismo…Trata-se de um idealismo consciente que a superação deste drama europeu apenas ocorrerá quando se abandonar o Castelo Kafkiano em que transformou a Europa e se ir em busca do 5º Império Pessoano nas costas do Egeu!

“Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer da asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz –
Ter por vida a sepultura.

Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.

Grécia, Roma, Cristandade,
Europa – os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?”

                                               (Fernando Pessoa, em “Mensagem”)