Há tempos fiz notar que uma das principais, senão a
principal diferença entre este e o anterior governo constituía-se no alheamento
e no alinhamento, respectivamente, com a lógica sequestradora do Capitalismo de
Último Reduto (vide Capitalismo de Último Reduto em Portugal – a diferença irrevogável entre PS e (este) PSD). Na altura, referi-me essencialmente, para ilustrar
essa diferenciação, à concepção de diferentes modelos de crescimento económico
por parte do antigo governo e por parte do actual, porquanto o primeiro
concebia um modelo de crescimento concordante com esse mesmo capitalismo
sequestrador e o segundo concebe um modelo de crescimento de ruptura com o último
estágio evolutivo do Capitalismo.
Mas esta diferença irrevogável entre PS e (este) PSD não se
esgota na concepção dos respectivos modelos de crescimento económico, manifestando-se
também com particular evidência na tomada de posições no que à política externa
diz respeito. No último texto postado (vide Luaty Beirão e o Capitalismo de Último Reduto), evidenciei mais uma manifestação
desta diferenciação, gritada na propositura por parte de PS à condenação da
condenação pelo regime Angolano de Luaty Beirão e à estridente recusa por parte
de PSD. No presente texto proponho-me evidenciar mais uma manifestação da
dicotomia alinhamento/alheamento ao Capitalismo de Último de Reduto latente
entre o anterior e actual governo, servindo desta vez como exemplo cristalino
dessa diferenciação o posicionamento perante a Grécia e a sua crise.
Aquando da discussão da concessão do último empréstimo à Grécia,
a União Europeia comandada por Alemanha e suportada pela tecnocracia de
Bruxelas mostrou o seu verdadeiro rosto, que não é o da cooperação e de solidariedade
mas a de força arrogante e sobranceira do poder do mais forte perante o mais
fraco, que a “Bullying” se assemelha. Aprofundemos a analogia…
Imaginemos a Alemanha como o rufia principal da escola que é
a União Europeia e Bruxelas e os seus tecnocratas os amigos rufias seguidores
daquele; Grécia, Portugal e Espanha constituem-se naqueles a quem frequentemente
roubam a lancheira.
Depois de tanto ter
infernizado a vida aos pequenos marginalizados, com medidas de austeridade que
roubaram o recheio das suas lancheiras, o “bully” Alemanha preparava-se para
mais uma emboscada à petiz Grécia, mas desta vez existiam dúvidas legítimas se
neste assalto de “bullying”, seria acompanhada pelos seus comparsas habituais
de Bruxelas, isto porque estes últimos começavam a duvidar dos proveitos que
tais investidas desta natureza geravam, atentando no facto de depois de tantos
almoços e lanches roubados aos pequenos e fracos, Grécia, Portugal e Espanha
terem começado a deixar de levar almoço para a escola e terem passado a ir
comer a casa ou até passarem fome, tal era a vergonha e humilhação a que eram
acometidos por estes actos de “Bullying” a que amiúde eram sujeitos.
Pressentindo tal relutância por parte de Bruxelas, a Grécia encheu-se de
coragem e preparou-se para fazer frente à temível Alemanha; perspectivando que
esta se apresentaria sozinha para a confrontação, a Grécia contava que Portugal
e Espanha se aliassem a ela para fazer frente à Alemanha, pois constituir-se-ia
esta numa oportunidade única de bater o pé a este “bully” desenfreado e assim fazer
com que ele nunca mais voltasse a roubar as suas lancheiras nem a dar “calduços”
e bofetões humilhantes que já se tornavam prática comum na escola. Chegado o
dia, e quando a Grécia passava no corredor da cafetaria com a sua lancheira eis
que lhe salta à frente a Alemanha e exige-lhe ameaçadoramente o seu almoço e
lanche; a Grécia mantém-se firme e diz que desta vez não lhos dará, ao mesmo
tempo que olha para trás de si e constata tristemente que lá não estão nem
Portugal nem Espanha nem Itália nem Irlanda…Olhando mais atentamente a Grécia
enxerga, escondidos por detrás da máquina de refrigerantes, os seus
ex-companheiros de humilhação a presenciar a cena. Mas Portugal não se limitou
à atitude covarde de se esconder a assistir a mais uma exacerbação sobranceira
de força da Alemanha sobre a “fracalhota” Grécia, não… Portugal, numa
derradeira manifestação da mais desprezível covardia desatou a correr a ir
chamar os “bullies” de Bruxelas gritando que a Grécia hoje trazia a lancheira
cheia de muitos e bons petiscos e que havia muito com que os de Bruxelas podiam
ainda encher o bandulho (como as privatizações de muitos sectores de actividade
económica grega ainda no domínio publico, como o património de propriedade
pública, como reformas de valor elevado concedidas em tenras idades, etc.
etc.), na esperança patética de com esta atitude bajuladora e submissa cair nas
boas graças dos seus carrascos do costume e assim evitar que no futuro se
metessem com ele… Como esperado, e depois do chamamento de Portugal e de muitos
“calduços”, pontapés e ameaças a Grécia lá capitulou, entregando uma vez mais a
sua lancheira aos “bullies” que até de expulsão da escola ameaçaram a pequena
Grécia.
A metáfora supracitada evidencia o que foi a posição
assumida pelo então governo de Pedro Passos Coelho perante a crise grega, posição
de resto suportada e apoiada pela maioria da sociedade portuguesa, que entendeu
tal distanciamento da Grécia e aproximação à Alemanha e Bruxelas como uma
tomada de posição responsável e consequente, numa demonstração cabal e
vergonhosa de submissão de tudo, de todo o tipo de valores e princípios, ao
primado financeiro, naquilo que se pode definir como mais uma manifestação do
Capitalismo de Último Reduto:
- manifestação
grega: perante a possibilidade de confrontar a União Europeia e as
forças que nela mandam com o fracasso comprovado com que a estratégia “austeritária”
está a destruir o tecido da construção europeia, Portugal de Pedro Passos
Coelho optou por alinhar com os prossecutores dessa mesma estratégia. Porque o fez?
Para além de uma clara identificação ideológica que o antigo governo nutria por
este tipo de medidas, que para a sustentação argumentativa aqui desejada não
vem ao caso, se Portugal assumisse uma posição correcta em termos dos princípio
e valores que devem orientar a condução da sua política externa no âmbito da
União Europeia e denunciasse e se opusesse a esta sobranceira chantagem típica
de “bullying” levada a cabo contra a Grécia, tal seria percepcionado pelo Alto
Capital e pelos seus mercados como uma apologia de Portugal a um certo tipo de
relaxamento no controlo das contas publicas, o que por sua vez seria percebido
pelas agência de “rating” como um aumento do risco de não cumprir com o seu serviço
de dívida, levando a notações de risco mais desfavoráveis que implicariam o
acesso a mercados de dívida ainda mais dificultado podendo tal ainda espoletar
a necessidade de um novo auxílio financeiro e logo novas medidas de austeridade
castradoras das potencialidades de crescimento e desenvolvimento socioeconómico
português. Assim, concluir-se-á que o abandono a que Portugal vetou a Grécia e
o seu alinhamento com os mais fortes da Europa, seus habituais “bullies” de
serviço, constitui-se numa medida social de combate à austeridade na defesa das
possibilidades de crescimento económico e desenvolvimento da população
portuguesa, culminando tal dedução lógica naquilo que é o sequestro da política
externa por parte do Capital, numa nova demonstração cabal de submissão de tudo
ao primado financeiro…Assim é no Capitalismo de Último Reduto…
"Se quem pede o empréstimo e o vai gerir diz que aquilo
não vai resultar, o melhor é não perdermos dinheiro. Eu direi, portanto, que é
necessária uma atitude diferente da parte do Governo grego para que as coisas
possam resultar (…) Devo dizer até que, curiosamente, a solução que acabou por
desbloquear o último problema que estava em aberto, que era justamente a
solução quanto à utilização do fundo [de privatizações], partiu de uma ideia
que eu próprio sugeri. Quer dizer que até tivemos, por acaso, uma intervenção
que ajudou a desbloquear o problema (…) 25 mil milhões pudessem ser utilizados
para, de certa maneira, poder privatizar os bancos que estão agora a ser
recapitalizados". (Pedro Passos Coelho, no rescaldo das “negociações”
entre União Europeia e Grécia).
A manifestação aqui descrita designa na perfeição a
capacidade sequestradora deste Capitalismo de Último Reduto; uma capacidade
suportada por um pragmatismo lógico e coerente que torna só mais difícil a sua
refutação. Medidas que são, por si, socialmente injustas, anti-democráticas e
eticamente reprováveis mas que ao abrigo deste modelo económico-social de
Capitalismo de Último Reduto se revestem de sentido lógico, coerência e
pertinência apenas podem atestar a perversão e perniciosidade deste mesmo
modelo.
Felizmente, o actual governo parece não querer afinar com
este diapasão do Capitalismo de Último Reduto, o que ficou bem latente aquando
da recente visita de António Costa á Grécia e subsequente assinatura conjunta
de Declaração contra Austeridade na Europa.
"Nós temos todos beneficiado muito de uma atuação do
Banco Central Europeu, que não existia em 2010, e que graças a isso houve uma
redução geral das taxas de juro, no conjunto da zona euro (...) mas não nos
devemos deixar iludir de que essa redução significou que o problema estrutural
da assimetria das economias ficou ultrapassado e que não necessitamos de ter um
instrumento e um novo impulso para a convergência económica. Seria um erro pensarmos
isso" (António Costa, no rescaldo da visita à Grécia)