quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Idealismo VS Pragmatismo

Na minha tentativa de vos desenhar o rosto, o corpo e os membros do Capitalismo de Último Reduto que é este Frankenstein da sociedade contemporânea e “desenvolvida”, esbocei os seus traços marcantes, nomeadamente a sua génese e maculada concepção, a sua manifestação e exacerbação e a sua alma-mater aglutinadora de uma lógica irresistível. Em todos esses traços, como um cunho de artista de génio, existe a forma única de “pincelar”, de fazer tocar o pincel na tela que diferencia aquele artista de todos outros e o torna único. Assim é com o Capitalismo de Último Reduto. O Capitalismo de Último Reduto é o artista maior da era contemporânea; pega no seu pincel que é a Finança e esboça na tela que é o mundo actual a sua obra-prima e o traço único que o diferencia, a forma de fazer tocar o pincel na tela que o torna único e o diferencia dos demais é o pragmatismo.

Se a submissão ao primado financeiro se constitui a filosofia, a matriz e a alma do Capitalismo de Último Reduto, o pragmatismo assume-se como a lógica dessa filosofia, a sequência da matriz e a religiosidade dessa alma pragmática do Capitalismo de Último Reduto.

A elite política da actualidade não passa de praticantes mais ou menos forçados deste pragmatismo que condena a sociedade contemporânea à reclusão neste Castelo Kafkiano em que vivemos. Se no Castelo reina a abundância e prosperidade vivemos felizes e contentes, se nele passa a grassar a fome e a miséria, protestamos barafustamos e maldizemos mas nunca ousamos abandonar o Castelo e nunca ousamos abandonar o Castelo porque pragmaticamente sabemos, porque nos foi dito, que fora dele existe um mundo selvagem de criaturas ferozes que nos despedaçaria caso ousássemos pôr um pé fora do Castelo. Assim é o Mundo Actual, onde o pragmatismo parece ter subjugado o idealismo a uma quarentena indefinida. Os nossos políticos conduzem a política do “tem de ser” e o aparatos mediático que à volta destes gravita (órgãos de comunicação social, comentadores e analistas políticos e fazedores de opinião de todo o género, etc.) esforça-se para nos dizer que se assim não for vem a calamidade, o apocalipse, o Mundo Selvagem fora do Castelo.

São várias as manifestações na realidade política que atestam a supressão do idealismo pelo pragmatismo e o reino incontestado deste último como religião dominante e unitária na condução política deste Capitalismo de Último Reduto, que é o que governa as nossas vidas actuais. Destas, referirei apenas duas para que, a título de exemplo, melhor se perceba a ideia que estou a tentar veicular.

Barack Obama e a presidência dos EUA - Barack Obama conseguiu a eleição para presidente dos Estados Unidos da América no seguimento de uma campanha movida, alimentada e exponenciada por um Idealismo que culminou no seu slogan vitorioso “Yes We Can” (estaria Barack Obama a dizer que sim, que conseguiríamos abandonar o Castelo pragmático e burocrático em que livremente estamos presos?). O idealismo revelado associado à inegável capacidade retórica e carisma de Barack Obama valeram-lhe inclusive, antes de qualquer acção presidencial, o Prémio Nobel da Paz, tal não fora a capacidade mobilizadora do Idealismo pregado. No entanto, abandonado o palanque de discursos e sentado na Casa Branca, cedo o Obama idealista cedeu lugar ao Obama pragmático e apesar de alguns aspectos positivos a nível doméstico, como a implementação de um Serviço Nacional de Saúde, a verdade é que os dois mandatos de Obama emanam do manual típico da política do “tem de ser”, senão vejamos:
- Wall Street e a Crise Financeira de 2008: O Barack Obama campanhista e idealista era duro com as libertinagens e devaneios destes banqueiros de Investimento desregulados e gananciosos, prometendo punições duras para com estes e políticas que garantissem que tais acções alimentadoras desta ganância destruidora nunca mais voltassem a ser possíveis no futuro, fazendo alinhar as sua posição com a de um dos mais severos e duros críticos de Wall-Street, Paul Volcker, que muitos acreditavam ser o próximo Secretário do Tesouro caso Obama ganhasse as eleições presidenciais. Já o Barack Obama presidente e pragmático, promoveu uma reunião amigável entre os maiores banqueiros de “Wall-Steet”, onde ficou decidido amigavelmente que nenhuma punição deveria ser aplicada aos senhores de Wall-Street e que, ao invés, seriam ainda libertados mais fundos estatais se destes os feudais de Wall-Street necessitassem; a reunião foi promovida pelo novo Secretário do Tesouro, Timothy Geithner, anteriormente presidente da Reserva Federal de Nova Iorque e um dos poucos defensores dos banqueiros de Wall-Street aquando da crise financeira. Porquê? Porquê esta mudança? Confrontado com a crise económica que grassava nos EUA e a necessidade imperiosa de uma retoma económica, Obama sabia e foi-lhe feito saber que tal retoma e recuperação não seriam possíveis sem um sector financeiro forte e saudável, pelo que punir e ostracizar esse mesmo sector seria contraproducentes para a pretendida retoma económica. Dividido entre fazer o deveria ser feito e o que teria de ser feito, Obama optou pelo que teria de ser feito para que a economia recuperasse, a sangria de empregos estancasse, e os trabalhadores norte-americanos voltassem a conseguir pôr pão em cima da mesa das suas famílias. Fez-se o que tinha de ser feito, deixou-se por fazer o que deveria ter sido feito.
- Guantanamo e o Terrorismo: o Barack Obama campanhista e idealista prometeu encerrar a Prisão de Guantanamo, que considerava ser uma mancha no rosto dos EUA, revelando que a luta contra o terrorismo não poderia ser feita a qualquer custo e que se assim fosse, a batalha contra esse terrorismo estaria à partida perdida, pelo simples facto que o Terrorismo conseguira comprometer e corromper os valores, princípios e formas de actuação das sociedades desenvolvidas. Já o Barack Obama presidente e pragmático não só não encerrou Guantanamo como vai para a história como o grande impulsionador na utilização de “drones”, licença para matar à distância, na luta contra o terrorismo. Porquê? Porquê esta mudança? Ao Obama recto dos palanques de discurso, foram entregues documentos que provavam A + B que os interrogatórios conduzidos em Guantanamo providenciavam a recolha de informação que impossibilitava a concretização de inúmeros atentados terroristas; foi ainda feito ver ao presidente americano que a utilização maciça de “drones” seria a forma de efectuar raides de combate ao terrorismo que menos casualidades humanas (“human casualties”, mortes de humanos) provocaria. Sentado agora na Sala Oval, a rectidão de Obama cedeu a uma curvatura de comprometimento com o que teria de ser feito para salvar vidas humanas. Fez-se o que tinha de ser feito, deixou-se por fazer o que deveria ter sido feito.  

 Alexis Tsipras e a Crise Grega – mergulhada numa profunda Crise Financeira, a Grécia, bastião pioneiro da democracia, via-se agora ostracizada, humilhada e vilipendiada pelos seus “parceiros” europeus que desta exigiam medidas atentatórias da dignidade humana em ordem a libertar fundos para satisfazer o seu serviço de dívida, em grande parte respeitante a credores que são senão grandes Entidades Financeiras responsáveis pelo início da crise que agora assolava a Grécia. Fartos destes abomináveis insultos à sua dignidade, o povo grego escolheu para seu líder o líder idealista do Syriza, Alexis Tsipras, que prometera fazer frente ao “bullying” da União Europeia e a estes bater o pé. O idealista Alexis Tsipras, já presidente, e fazendo jus ao legado democrático do país que representa, marcou referendo para perguntar ao seu povo se deveriam ou não assinar o acordo das instituições burocráticas ditadoras da austeridade vivida na Europa, o que no fundo equivalia perguntar, face às reacções chantagista e condicionadoras da União Europeia a este referendo, se os gregos pretendiam ou não continuar na União Europeia. Contados os votos, mais de 60% do povo grego corroborou o idealismo do seu líder e disse NÃO às pretensões austeritárias da Europa. Pensou-se que seria desta que veríamos no cenário político mundial o idealismo sobrepor-se ao pragmatismo; existia um líder idealista de um partido idealista e com o apoio maioritário do seu povo…Desconfundamo-nos! Depois de vários apelos ao seu pragmatismo, que incluiu, inclusive, um telefonema do ex-idealista Barack Obama, Alexis Tsipras lá cedeu e na sua cedência ao pragmatismo, mandou embora quem persistia no seu idealismo (vide Yanis Varoufakis), convocou eleições antecipadas, reformulou o seu partido de extrema para moderado e aplicou austeridade, a acordada e a não acordada? Porquê? Porquê esta mudança? Ao idealista Alexis Tsipras foi feito ver o que a não aceitação das condições de resgate acarretaria para o povo grego; a saída da União Europeia e o fim do apoio encapotado Banco Central Europeu significariam o colapso o sector financeiro grego que degeneraria num colapso económico da Grécia, que resultaria por seu lado na pobreza, na fome e na miséria do povo grego e foi assim que o já pragmático Alexis Tsipras fez o que tinha de ser feito. Fez-se o que tinha de ser feito, deixou-se por fazer o que deveria ter sido feito. 


Embora a adopção do pragmatismo em detrimento do idealismo pareça ser, face aos exemplos supra referidos, inteiramente justificados, dever-se-á olhar para o quadro maior que é a Obra do Capitalismo de Último Reduto e não olhar somente para traços e esboços do mesmo, libertando-nos dos grilhões desta lógica sequestradora e pragmática para assim com maior isenção se poder apreciar se esta sobreposição do pragmatismo face ao idealismo é realmente virtuosa ou viciosa. Para o fazer
dever-se-á perguntar que mundo é este, que obra é esta que está ser pintada com pinceladas de pragmatismo? É uma obra boa, agradável ou, ao invés, causa desconforto, insatisfação, é uma obra má? A generalidade das pessoas, que não são tão parvas como se possa supor, parece ter encontrado a resposta e a votação constante em candidatos que fazem do idealismo a sua retórica é demonstração dessa resposta. O problema consiste no facto desses candidatos idealistas, quando confrontados com a máquina burocrática e tecnocrata do poder, se transformarem invariavelmente em líderes pragmáticos.