sábado, 29 de outubro de 2016

O elogio de Schäuble à Geringonça!

Já tive oportunidade de, em textos anteriores, ilustrar o que julgo ser a visão para Europa, e o trilho que pretendem traçar rumo a essa visão, que os acuais decisores políticos europeus nutrem, cultivam e defendem acerrimamente.

Constituindo-se o PPE a família política que manda na Europa actualmente, constituída pelos seus tecnocratas de Bruxelas a mando da Ecofin de Schäuble e “familiares”, entenda-se da mesma família política, cedo se percebeu qual a ideia desta “família” para a sua Europa. Agastados com os “gaps” de produtividade entre os países da periferia europeia e os da Europa Central perpetuadores, face à impossibilidade de “manietação” cambial e monetária por contrária serem aos interesses do franco alemão e outras moedas que tal, de desequilíbrios financeiros cada vez menos bem recebidos pelos mercados financeiros, a actual elite governativa europeia esboçou um modelo de desenvolvimento europeu assente numa Europa a duas velocidades.

Esta Europa a duas velocidades caracteriza-se pela coexistência, dentro do espaço europeu, de dois modelos de desenvolvimento económico distintos; por um lado um modelo de desenvolvimento económico para os países do centro e norte da Europa e outro para os países da periferia. Se para os países do centro e do norte da Europa é defendido um modelo de competitividade assente em actividades de elevado valor acrescentado necessitadas de elevados índices de produtividade resultando, por isso, em níveis remuneratórios elevados e consequentes elevados poderes de compra e elevados níveis de vida para a população que se constitui a mão-de-obra desses países, para os países da periferia passou a ser defendido, por este PPE neo-liberal que manda actualmente na Europa, um modelo de desenvolvimento económico suportado por uma competitividade derivada da desvalorização do factor trabalho. Não possuindo os índices de produtividade dos países do centro e do norte, a estes países da periferia resta serem competitivos por via de praticarem níveis salariais mais baixos, degenerando num modelo de crescimento assente na desvalorização e precarização do factor trabalho conducente a mais baixos poderes de compra e à perda de nível e qualidade de vida da população desses países que constituem a sua mão-de-obra.

Esta é, segundo o ponto de vista da elite governativa europeia actual, a única solução viável de subsistência e sobrevivência dos países da periferia europeia. Assim, é com naturalidade que os representantes desta visão da Europa defendam, aplaudam, recomendem e receitem até medidas e políticas que conduzam à concretização dessa visão… Tudo o que contribua para mudanças estruturais no mercado laboral dos países da periferia no sentido da desvalorização do factor trabalho e à sua cada vez mais submissa dependência do factor capital (sob a forma sobretudo de Investimento Estrangeiro) é defendido, aplaudido e recomendado por estes senhores que pensam mandar e desmandar na Europa. É também com naturalidade que quando surgem agentes políticos com visões diferentes da destes, por exemplo governos de países periféricos que defendam para os seus países modelos de crescimento semelhantes aos do centro e Norte da Europa, reclamando políticas de educação, formação e qualificação susceptíveis de dotar as suas populações de índices de produtividade capazes de substanciar tais modelos de crescimento virtuoso e recusando medidas que visem somente a desvalorização e precarização do factor trabalho “substanciadoras” do modelo de crescimento pernicioso que lhes querem impor por conducentes à precarização das condições de vida da população que constitui esse factor trabalho serem, aí estes mesmos senhores reagem de forma antagónica e ao invés de aplausos e lisonjas, reagem com criticismo, reprovação e até provocação.


Assim, quando este “gang” de lobos de sobrenome Schäuble, que é o principal rosto sinistro da defesa e da imposição desta Europa a duas velocidades, refere que “Portugal estava a ser muito bem sucedido até ao novo Governo", tal afirmação apenas poderá ser percepcionada, por quem se preocupa com a defesa das condições de vida e do bem-estar da população portuguesa, como um enorme elogio à actual solução governativa, carinhosamente apelidada de “Geringonça”, e uma duríssima ofensa e crítica à anterior solução governativa, pretensiosamente auto-denominada de “Portugal à Frente”

domingo, 23 de outubro de 2016

Guterres à pesca de cherne em mar de tubarões…

Paradoxalmente, num país em crise financeira, económica e social, têm, nos últimos tempos, emergido grandes nomes para a ribalta da política internacional. Políticos que internamente não serviram para mudar a inevitabilidade da crise portuguesa, destacam-se agora em cargos de grande visibilidade no plano internacional. Vítor Constâncio como vice-presidente do Banco Central Europeu, António Guterres como Secetário-Geral da ONU e Durão Barroso como presidente não-executivo da Goldman Sachs (depois de já ter presidido à Comissão Europeia) são os casos mais sonantes. Os dois últimos, por terem já cruzado os seus caminhos em tempos idos, voltam a contar uma história interessante e reveladora se analisarmos o paralelismo dos seus trajectos políticos.

Tendo António Guterres ascendido ao mais alto cargo da diplomacia internacional, o de Secretário-Geral das Nações Unidas, releva saber, para o desempenho do seu cargo, qual o estado dessas nações unidas…? Que mundo vai António Guterres encontrar e nesse mundo quais os desafios prementes que lhe se apresentarão no caminho da sua missão? Sendo a sua missão a substância da sua nomeação, que desafios se colocarão ao ex-comissário para os Refugiados para levar a sua avante?

A nomeação de António Guterres para Secretário-Geral da ONU obedeceu essencialmente ao consenso de que o maior desafio que se coloca ao mundo actual e que de resolução política carece diz respeito à crise dos Refugiados. Quando se tratou de escolher o representante das nações unidas para lidar com este desafio do mundo actual, a questão que presidiu à escolha e que resultou na unanimidade da escolha de Guterres terá sido: quem será dos candidatos o mais competente para lidar com esta temática? A experiência acumulada de António Guterres enquanto alto comissário da ONU forneceu a resposta fácil que degenerou na supracitada unanimidade. Tem-se o homem certo para a missão certa na altura certa! Só não temos o mundo certo…

António Guterres, na sua missão humanitária e idealista esbarrará inevitavelmente naquilo que serão as pretensões e interesses de quem realmente manda no mundo. O que poderá fazer António Guterres quando as medidas que quiser implementar com vista à resolução humanitária da crise dos refugiados forem contrárias ao interesse material e estratégico dos países integrantes do Conselho de Segurança da ONU? O que poderá fazer António Guterres quando quiser convencer países e nações (das unidas a que preside) a empreender iniciativas que sejam contrárias aos interesses dos países do Conselho de Segurança da ONU, de quem dependem económica, financeira e militarmente? Muito pouco ou quase nada…Neste nosso mundo capitalista de último reduto, poderá fazer mais Durão Barroso enquanto “chairman” da maior entidade financeira mundial do que António Guterres enquanto líder da maior entidade diplomática mundial. Será muito mais influente numa mesa de negociações com os líderes dos países que integram o Conselho de Segurança da ONU ou o G20 (os tubarões do mar diplomático em que Guterres se vê agora forçado a nadar) Durão Barroso do que António Guterres. Terá, neste mundo nosso, Durão Barroso muito mais “leverage” negocial para com esses países do que António Guterres, por aquilo que ambos representam; enquanto que Durão Barroso poderá negociar com esses países condições de financiamento, presença e intervenções dominantes em mercados financeiros mundiais capazes de conferir posições dominantes na negociata mundial, representando assim uma autoridade financeira e materialista, António Guterres apenas poderá apelar ao respeito pelos valores e Direitos Humanos, cartilha cuja defesa e propriedade são da entidade que lidera com o poder que lhe é conferido pelos países do mundo, representando desta forma uma autoridade moral e ética…E entre uma autoridade financeira e material e uma autoridade moral e ética, mais vale António Guterres correr a pedir ajuda a Durão Barroso se quiser mudar o quer que seja neste vosso mundo de último reduto.

E é neste trajecto destes dois políticos nacionais, que se conta muita da verdade do mundo actual…António Guterres foi um político que por altos valores éticos e de dignidade política renunciou ao seu cargo de primeiro-ministro, quando pressentindo o descontentamento de quem o elegeu com a sua governação pôs o seu cargo à disposição, não se escusando no entanto de ir à luta política…Foi-o e perdeu com Durão Barroso que, tendo assumido um compromisso com o eleitorado português de o governar por 4 anos, assim que teve uma melhor oportunidade de progressão na carreira, quebrou esse compromisso fundamental com o povo que o elegeu, fazendo da sua candidatura a primeiro-ministro português uma monumental mentira. Catorze anos depois, Durão Barroso atingiu o pináculo da sua carreira de oportunismo e sagacidade política enquanto que António Guterres alcançou o ponto mais alto da sua carreira de idealismo e integridade política e o facto de ter de ser este último a pedir favores ao primeiro se quiser resultados no desempenho da sua função, diz muito do mundo em que vivemos.


E é por ter enorme respeito pelos valores e ideais emanados do percurso político de António Guterres mas também a consciência deste mundo em que vivemos que me resta desejar a maior sorte a António Guterres e que Deus o acompanhe! Mas como diria Tom Waits:          

sábado, 15 de outubro de 2016

O nosso mundo “Trumperiano”

Poucas candidaturas presenciais e iniciativas políticas têm o condão de, numa forma tão cristalina e reveladora, reflectir a realidade e o mundo em que se propagam como a candidatura de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos da América.

A popularidade granjeada e conquistada pela ignorância, pela estupidez, pelo preconceito, pela vaidade narcisista e pela ganância avassaladora caída em desgraça numa subjugação ao moralismo hipócrita e ao puritanismo demagogo emanados de um catolicismo torpe e bafiento é uma representação perfeita deste mundo em que vivemos e dos valores e princípios que lhe subjazem.

Quando Trump ameaça construir um muro na fronteira dos EUA com o México para impedir os mexicanos, a quem apelidou de ladrões e violadores, entrar nos EUA, Trump sobe nas intenções de voto e na simpatia e empatia geradas com o seu eleitorado.

Quando Trump exige a Barack Obama que exiba a sua certidão de nascimento para provar que nasceu nos EUA só porque este último é preto e tem as orelhas grandes, Trump sobe nas intenções de voto e na simpatia e empatia geradas com o seu eleitorado.

Quando Trump, que defende a produção e os produtos norte-americanos, é confrontado com o facto de ter feito fortuna com produtos fabricados por mão-de-obra infantil explorada no Vietname, Tailândia, Cambodja etc., Trump sobe nas intenções de voto e na simpatia e empatia geradas com o seu eleitorado.

Quando Trump, que se gaba de ser um dos homens mais ricos dos Estados Unidos e faz da ostentação dessa riqueza um estilo de vida, admite não pagar impostos há mais de 20 anos, Trump sobe nas intenções de voto e na simpatia e empatia geradas com o seu eleitorado.

Quando Trump, numa devassa à sua privacidade, vê exposta uma conversa privada em que, num tom jocoso se vangloria dos seus avanços sexistas numa demonstração de fanfarronice machista que mais de 90% dos homens já deve ter ostentado pelo menos uma vez na sua vida em “conversa de gajos”, aí cai o Carmo e a Trindade e nem a esposa nem o candidato a vice-presidente ousam relativizar a questão, demarcando-se de Trump, como todo o partido republicano e grande parte do seu eleitorado, numa ejaculadora afirmação do seu moralismo e puritanismo imaculados que nem a virgem Maria, afundando nessa exclamação “catolicista” a popularidade de Trump e matando, à partida, as suas hipóteses de eleição enquanto Líder do Mundo Livre.

Nesta ascensão e queda de Trump encontra-se muito da genuína génese das pessoas que fazem deste um mundo “Trumperiano” e que adoraria ilustrar com uma citação do mais recente nóbel da Literatura mas que, por falta de conhecimento aprofundado da sua obra literária cantada, não o conseguirei fazer…Ao invés, e por também achar que mais se apropria e adequa ao pretendido, deixarei essa ilustração citada a cargo, não do respeitadíssimo e venerado cantautor mas do bêbedo e putanheiro poeta Charles Bukowski: