sábado, 13 de fevereiro de 2016

O Drama Europeu: A Resposta – A Experimentação Periférica e a Europa a Duas Velocidades

Perante o surgimento pujante da China enquanto potência económica mundial e a braços com uma crise económico/financeira, a União Europeia viu relegada para segundo plano a sua relevância no quadro político internacional, o que conduziu a uma alienação identitária do projecto europeu, em termos externos, carente de uma resposta imediata e assertiva por parte da Europa. Qual foi essa resposta?

O poder político, diplomático é conferido por uma de duas vias, a financeira ou a militar ou, como no caso dos EUA, pelas duas em simultâneo (e daí ser a superpotência mundial que é). Confrontada com a necessidade de recuperar a sua posição de poder no quadro diplomático internacional, optar por uma via militar seria despropositado e inevitavelmente desastroso, não só porque se constituiria numa missão quase impossível como seria também atentatório dos próprios princípios e fundamentos da União Europeia de não beligerância e de uma imposição no panorama político internacional por vias pacíficas. Restava então à União a via financeira. Dissequemos então essa resposta… 
A resposta dada pela União Europeia, não sendo um prodígio de criatividade, designa uma reacção muito típica de alguém ou algo quando se vê confrontado como uma entidade que a ameaça, e que passa por replicar a acção dessa própria entidade ameaçadora. Quando alguém grita connosco, é reacção natural gritarmos de volta em resposta, quando alguém nos esmurra é expectável devolvermos um soco da nossa autoria…Quando a China cresceu a ritmos alucinantes alicerçada num modelo de crescimento cujo factor competitivo se constitui nos baixos custos de mão-de-obra praticados, a Europa quis responder na mesma moeda e importar para o projecto europeu esse mesmo modelo de crescimento assente numa desvalorização do factor trabalho enquanto factor de competitividade.

Um aspecto relevante do processo de integração europeia e um traço marcante da sua identidade constituía-se na sua política comum, pelo menos aparente e formal, de tomada de medidas que apontassem a um processo de convergência entre os países periféricos e os países do centro da Europa; cronicamente com índices de produtividade inferiores aos dos países do centro europeu, a União Europeia, através de Bruxelas sempre incentivara e promovera junto dos governos dos países periféricos a adopção de medidas e políticas que visassem o aumento dos índices de produtividades desses países que os permitisse concretizar modelos de crescimento económico e desenvolvimento social semelhantes aos prosseguidos no centro da Europa, sustentados em mão-de-obra qualificada capaz de gerar output de alto valor acrescentado, e cujos benefícios do processo de crescimento decorrente seriam partilhados justamente por essa mão-de-obra qualificada, contribuindo dessa forma para um processo de crescimento económico mitigador de desigualdades e, consequentemente, para um processo de desenvolvimento social e humano mais justo e sustentável. Este era até recentemente, no que a características internas diz respeito, a matriz identitária fundamental da União Europeia e da Europa.

Tudo mudou de há 5/6 anos a esta parte! Com o surgimento da crise de dívida soberana, afectando sobretudo os países periféricos europeus, e perante a ameaça chinesa já abordada, a Europa viu-se encurralada para o canto do imperativo de crescimento económico imediato. Com a China a relegar a Europa para um plano financeiro mundial secundário e os mercados a exasperarem-se com as dívidas periféricas, não existia já tempo para esperar que medidas de longo-prazo como as que incidem sobre a educação, formação e qualificação de mão-de-obra necessárias à prossecução de modelo de crescimento preconizado, fizessem o seu efeito. Perante este imperativo de crescimento económico, aos países que não tinham conseguido, durante o tempo de “vacas gordas” na Europa, dotar as suas economias de índices de produtividade capazes de sustentar o modelo económico virtuoso atrás descrito, para esses países acabara-se a paciência…Não tendo, durante todo este tempo de União Europeia, sido capazes de fazer convergir os seus índices de produtividade com os dos países do centro e perante o imperativo de crescimento económico enfrentado pela Europa, a estes países periféricos, com baixos índices de produtividades, restava aceitar a imposição de um modelo de crescimento susceptível de gerar resultados imediatos sujeito aos condicionalismos de produtividade supra referidos. A estes países periféricos restava aceitar a imposição pela Europa do modelo de crescimento chinês, assente numa economia capaz de atrair investimento privado não pelos seus índices de produtividade mas pelos baixos custos da sua mão-de-obra.

A imposição deste modelo de crescimento aos países da periferia levada a cabo por Bruxelas foi possibilitada e facilitada pela crise das dívidas públicas enfrentada por estes países; a troco de resgates financeiros e compra de títulos de dívida por parte do BCE em mercados primários e secundários, exigiu-se a estes países que flexibilizassem o seu mercado laboral, que cortassem nos salários praticados, que eliminassem subsídios e regalias laborais, que aumentassem a carga horária laboral e que até feriados (religiosos ou não) se cortassem… Exigiu-se tudo que conduzisse a uma desvalorização laboral coadunável com o modelo de crescimento proposto para esses países.

E foi assim que, na Europa, se deu início a esta experimentação periférica, que ocorre nos dias de hoje, e que designa a transposição para o modelo europeu, por via dos países da periferia, do modelo de crescimento económico chinês, que por apenas incidir sobre os países periféricos determina uma reconfiguração da Europa e a passagem de uma Europa de convergência para uma Europa assumidamente a duas velocidades, com um modelo de crescimento económico assente em mão-de-obra qualificada para os países do centro e um outro modelo de crescimento económico assente mão-de-obra barata para os países periféricos.


Assim se conclui que da resposta à alienação identitária da Europa no plano externo resultou uma descaracterização em termos internos que apenas agravou a crise identitária europeia e que coloca uma nova e derradeira questão: Como superar este drama Europeu?

sábado, 6 de fevereiro de 2016

O Drama Europeu: A Problemática – A Ameaça Chinesa e a Crise da Dívida Soberana

A Europa, ou melhormente especificando, a União Europeia vive actualmente uma crise que, tendo raiz financeira é hoje uma crise identitária que ameaça os mais robustos alicerces da construção europeia… os alicerces da não beligerância, da solidariedade e da prosperidade.
Proponho nos próximos três textos abordar este drama europeu, incidindo o presente naquilo que percepciono ser a origem e a raiz desta decadência europeísta que descaracterizou o projecto europeu e o metamorfoseou numa identidade hostil aos próprios países que o integram.

A União Europeia, desde a sua existência, consubstanciou o seu poder, no que á geopolítica mundial concerne, no seu poderio económico atestado pelo facto de se constituir no maior mercado interno em termos mundiais, o que foi possibilitado pela abolição das fronteiras comerciais e potenciado por um livre mercado alargado. Confiando a sua representatividade militar inteiramente à OTAN, o que significa basicamente confiá-la aos EUA, restava à Europa a via financeira e económica para lhe conferir verdadeiro poder diplomático que a tornasse um “player” relevante no xadrez político mundial, e foi esta até recentemente a identidade matricial e primordial da União Europeia, um poder diplomático relevante conferido pela via económico-financeira e não pela via militar, usado amiúde para, no contexto internacional, fazer valer os sues valores humanitários de liberdade, igualdade e fraternidade. E foi sobretudo devido a esta identidade iluminada que sempre fui apologista do projecto europeu e um europeísta convicto; sempre fui acérrimo defensor de um acréscimo de poder da União Europeia no panorama político mundial (em detrimento de outras potências como os EUA e a Rússia) exactamente por o seu poder ser conferido por uma via não militar e logo menos susceptível de se tornar totalitário e despótico.

Essa realidade no entanto mudou. A União Europeia já não é o maior mercado interno mundial, nem o segundo sequer, e a perda de poder diplomático decorrente degenerou numa alienação identitária que é a raiz deste drama europeu de que vos falo. O que foi então que ocorreu no panorama internacional que conduziu á perda do poder económico europeu e à sua inanição política? A resposta mais óbvia passa por referir a crise financeira de 2008 e a sua degeneração em crise de dívida soberana de que os estados europeus não se conseguiram ainda libertar. Tal resposta é correcta mas incompleta porquanto o espaço europeu já havia deixado de ser o maior mercado interno mundial e perdido relevância política antes ainda de “Wall Street” ter tocado a sineta da crise financeira. A verdade é que esta mesma crise apenas enfatizou e agudizou o processo de declínio europeu originado e principado pelo surgimento da China enquanto nova potência mundial.

A China tal como a União Europeia consubstancia o seu poder politico/diplomático no seu poderio financeiro e não militar (que saibamos), no entanto, os factores desse poder financeiro diferem abissalmente daqueles explicadores do sucesso financeiro europeu, porquanto não derivam da criação de um espaço económico alargado potenciador de crescimento económico por via do aumento das trocas comerciais daí decorrentes. Embora o aumento do poder financeiro chinês e decorrente aumento da sua relevância política não se justifiquem na criação de um espaço de comércio alargado, tal apenas foi possibilitado e propiciado por ter sido permitido à China aceder ao comércio mundial, tendo-se-lhes abolido essas fronteiras comerciais; ora, num comércio mundial com tantas restrições e tantos embargos a tantos países, perguntar-se-á como foi possível deixar aceder aos mercados mundiais e em pé de igualdade um país que até há bem pouco tempo tinha como política de controlo de natalidade a criação de quartos de extermínio para bebés e crianças não primogénitos. A resposta não é senão mais um exemplo cristalino da submissão de tudo ao primado financeiro e designa os parâmetros que balizam o poder económico-financeiro que sustenta este surgimento da China enquanto potência mundial, a saber:
- um crescimento económico galopante baseado num modelo de baixos salários, repressão e supressão de direitos laborais resultando numa situação de exploração laboral que a escravatura se assemelhará;
- uma política estratégica agressiva de aquisição de dívida soberana; a China é de há muito tempo para cá um dos principais adquiridores de títulos de dívida de muitos países ditos desenvolvidos, mormente dos EUA, assumindo-se dessa forma como financiador fundamental dessas economias;
- a China detém o monopólio da extracção e exportação dos materiais raros; materiais raros designam um conjunto de minérios cuja inclusão é indispensável ao funcionamento dos “gadgets” tecnológicos que tanto caracterizam o estilo de vida ocidental e desenvolvido, como smartphones, I-Phiones, I-Watches e outros “Ais” que designam o consumismo cosmopolita que consome mais do que matérias.
Dos três factores enunciados, sobretudo os dois últimos, resulta um poder financeiro bem diferente do do europeu, porquanto designa um poder político de sequestro e de chantagem, palpável nas possibilidades que sugere: “se não fazes como quero não te compro mais dívida nem vendo mais materiais de que dependem as tuas corporações babilónicas e no fundo todo o teu estilo de vida”.

E foi com este poder financeiro de sequestro e de chantagem que a China, apesar das atrocidades humanitárias que se lhe reconhecem, acolheu a receptividade dos mercados mundiais e, em mais uma manifestação da submissão de tudo ao primado financeiro (vide Capitalismo de Ultimo Reduto – o Grande Sequestrador), relegou para plano secundário de irrelevância a Europa e a União Europeia.


Perante este pepel secundário no plano político mundial para que fora relegada, impunha-se uma resposta à União Europeia a esta problemática da ameaça chinesa agudizada pela crise de dívida soberana. Impõe-se então a pergunta: e que resposta foi dada?