quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

"A crise dos refugiados e a Europa: morrer de frio não é opção"

O título do presente "post" não é meu. É de Pedro Góis e reporta-se a um artigo de opinião publicado n´O Público.

Não sou particular adepto de "Copy-Paste" como forma de publicar neste blog mas neste caso específico, atendendo ao tema evocado (que já aqui referi pensar tratar-se do mais urgente e premente com o qual o nosso mundo actual se depara) e à beleza dramática com que o seu autor decorre sobre o mesmo, senti esta obrigação de convosco o partilhar. Por uma vez que este espaço seja preenchido por escrita de qualidade. Aqui fica, então, o texto da autoria de Pedro Góis, publicado n' O Público hoje, dia 18 de Janeiro de 2017:

"Carta aberta a Juncker, Schultz, Tusk e Draghi

Caros senhores:

Escrevo-vos de Coimbra, Portugal. Hoje, por aqui, estão o sol brilha. Mas não brilha para todos nesta Europa que vos compete dirigir. Lá longe, no outro extremo da Europa há quem morra de frio. Em Moria (na Grécia) e em outros campos de refugiados morre-se de frio. Morrer de frio numa terra de abundância é a antítese da minha Europa. Tremo ao pensar que a Europa é isto.

Não é a primeira vez que se morre na Europa que vos compete dirigir porque há algo que não funciona. Por aqui, no meu país, passámos os últimos invernos a viver sob uma austeridade europeia que nos roubou sonhos e esperança, que nos tirou rendimentos e nos afastou de familiares e amigos que tiveram que emigrar para longe. Mas, ao mesmo tempo, na Europa que vos compete dirigir, outros países lucravam com os empréstimos com que pagávamos os empréstimos, com que rolávamos a dívida soberana. Ao fim de 10 anos, sem gastarmos mais do que o que já devíamos, devemos mais porque pagamos os empréstimos. Pagamos a tempo e horas, à Europa que vos compete dirigir, mas, para que isso aconteça, estamos a hipotecar o futuro de todos nós. Sem investimento não há futuro e, por aqui, há muito tempo que não há investimento.

Nos últimos anos, assistimos a discursos que prometiam mudar o mundo e, logo a seguir, a bombas que tornavam o mundo um lugar mais sombrio. Alguns destes discursos (e muitas destas bombas) eram nossas, da Europa, que vos compete dirigir. Perguntamos todos se não há alternativa, se a guerra é mais um caminho sem alternativa como o foi a austeridade. Se nos disserem que sim não acreditamos. Porque há sempre alternativas, aqui, ali e na Europa que vos compete dirigir.

Nos últimos anos a Europa tem vindo a arrefecer. Apesar do aquecimento global indesmentível (ou talvez por causa dele), a Europa arrefece. A ideia de Europa, tal como eu e muitos da minha geração a imaginaram, é a de um continente de esperança, de confiança e de solidariedade. Na minha geração quisemos ser Europeus. Mas a Europa que vos compete dirigir é hoje um continente sem rumo, sem confiança e, sobretudo, sem solidariedade. Morre-se de frio meus senhores. Morre-se de frio numa tenda, num contentor, na rua. De frio. Morrem de frio os que precisam da Europa e, com eles, morre de frio a Europa.

Em mais de dois anos não fomos capazes de aprender a lição do que significa ser refugiado. Não percebemos que a escolha entre morrer na guerra ou na mão de terroristas, morrer afogado no mediterrâneo ou morrer de frio, morrer ou morrer, não é uma verdadeira escolha. A escolha é entre morrer lá (na guerra) ou viver aqui (na Europa de esperança e futuro que vos compete dirigir). É isso que significa (ter que) ser refugiado: quando no sítio onde queríamos viver há apenas sombras e frio, bombas e medo. Mas para se viver aqui, a Europa que vos compete dirigir tem que voltar a ser a Europa que a minha geração imaginou: de esperança, de solidariedade, de futuro. Tem que deixar de ser a Europa dos bancos e das crises financeiras e passar a ser a Europa das pessoas sem frio.

Caros senhores, a Europa que vos compete dirigir não pode continuar sem rumo. Urge pensar na primavera e na esperança renovada que ela nos trará. Os refugiados, todos e cada um deles, não podem morrer de frio. Não podem ter frio, nem fome, nem desesperança. A Europa que vos compete dirigir tem que criar alternativas (à guerra, ao frio, à fome) e tem que ser capaz de comunicar essas alternativas aos que se convenceram de que a alternativa é nacionalizar os medos e olhar o umbigo como se do centro do mundo se tratasse.

A Europa de cidadãos é a Europa que imaginámos. Não queremos uma Europa de finanças e financeiros, de bancos e banqueiros. Queremos uma Europa de cidadãos, de democracias plenas, de liberdades e de culturas. Queremos uma Europa de iluminismo e não uma de nacionalismos.

Escrevo-vos a oferecer a minha ajuda (e a da minha geração). Contem connosco para construir a Europa sem frio, mas só essa. A alternativa existe e somos nós. Os que acreditam na democracia, na solidariedade, na esperança, na primavera, enfim, no futuro. Não podemos deixar ao frio quem bateu à nossa porta, mas para isso talvez tenhamos de voltar a pensar na Europa como uma casa comum. Voltar ao início, aos fundadores da Europa.


A Europa que vos compete dirigir tem gente (muita gente) capaz de vos ajudar a pensar no que deve ser a Europa. Nas universidades, empresas, ONG, na sociedade civil, o que não falta são ideias, planos e alternativas. Caros senhores, morrer de frio não é uma opção. Não é uma opção para os refugiados que nos pediram ajuda quando fugiram de uma guerra, da miséria, do terrorismo. Mas morrer de frio também não é uma opção para a Europa que vos compete dirigir. Está nas vossas mãos o (nosso) futuro e, daqui de Coimbra, sem frio mas solidários, pedimos apenas que sejam capazes de o realizar. A História encarregar-se-á de vos julgar pela vossa coragem, pelo que fizerem ou deixarem de fazer."

domingo, 8 de janeiro de 2017

Mário Soares e eu e todos nós.

A singularidade de Mário Soares é a sua universalidade.

Mário Soares é todos nós e todos nós somos Mário Soares. O mundo em que vivemos (em Portugal) é incontornavelmente uma construção de Mário Soares…A luta contra a ditadura fascista, a luta contra a ditadura comunista, a afirmação da democracia e os seus pilares mais fundamentais, a integração europeia e a melhoria generalizada da qualidade de vida…A passagem do obscurantismo da antiguidade para o cosmopolitismo da modernidade…Todos nós a vivemos e talvez por ser como o ar que respiramos acabamos por não ter consciência do seu valor mas todos vivemos como vivemos graças a ele.

Mário Soares estará sempre para nós, pessoas que vivemos em liberdade democrática com a qualidade de vida cosmopolita da Europa, como o ar que respiramos e quer se goste quer não se goste, respiraremos sempre Mário Soares e nesse respirar ele fará sempre parte de nós, estará em nós e será todos nós.


Eu gosto do Mário Soares que respiro e por isso, no seu adeus, o meu Obrigado!

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Mensagem de Ano Novo

O mundo devia ser dos músicos, dos poetas, dos romancistas, dos cineastas, dos filósofos, dos artistas. Mas não é! O mundo é dos advogados, dos economistas, dos gestores, dos assessores, dos homens de negócio, dos burocratas.

Depois de 2016, em que vimos tantos daqueles a que o mundo devia pertencer partirem, e tantos daqueles a que o mundo definitivamente não devia pertencer ascenderem a posições de grande notoriedade e relevância, é meu desejo para 2017 que essa tendência seja invertida e que no mundo cinzento pintado pela tecnocracia supracitada irrompam rasgos de luz criados por aqueles que pensam e sentem um mundo diferente daquele em que hoje vivemos.

Mas não creio que tal aconteça.


quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A força das expectativas e a expectativa do mundo actual

A expectativa constitui um dispositivo mental poderosíssimo. Não direi que supera o evento expectado mas altera-o decisivamente. Altera-lhe o sabor, o cheiro e metamorfoseia-o em algo diferente do evento e acto originais.

Uma pessoa que aufere um salário mensal de 100.000€ e no mês seguinte recebe apenas 50.000€ atribuirá a esse evento um valor completamente diferente daquele que atribui uma pessoa que recebe o salário mínimo e no mês seguinte recebe de uma raspadinha 50.000€. O evento original é exactamente o mesmo, receber 50.000€, mas esse mesmo evento experienciado pelo milionário é completamente diferente, antagónico até, daquele que é experienciado pelo usufrutuário mensal do salário mínimo e o que os diferencia de forma decisiva é exactamente a expectativa.

Isto não é novidade e várias são as correntes filosóficas, ou se não quisermos ir tão longe, as correntes de pensamento que incidem sobre esta força da expectativa e a pretendem controlar e manietar como forma de maximização do prazer retirado dos eventos experienciados ou como forma de minimização do sofrimento absorvido desses mesmos eventos, como o são o “Carpe Diem” ou o Niilismo, respectivamente.

A novidade digna de relato e o motivo que me leva a escrever sobre este tema consiste na extrapolação dessa força da expectativa dum campo pessoal e individual para um campo colectivo e do domínio público, dum campo meramente introspectivo para o campo político.

A publicação maciça de estados de alma, desejos e intenções, que até ao arrebatamento destes pelas redes sociais eram do foro íntimo e privado de cada um, transformaram a vivência e experiência de eventos individuais e pessoais em eventos colectivos e públicos.

Aludindo ao aqui prefaciado, esses mesmos eventos que antes eram do foro privado e agora extravasaram para o domínio público são fortemente condicionados pela expectativa que é gerada em torno desses mesmos eventos e se aliarmos a esta força da expectativa o apelo de mediatismo e sensacionalismo que a geração “FACEBOOK” persegue nos flashes das suas “selfies”, percebemos como um Donald Trump é eleito para presidente dos EUA. Os “millenials” perseguem o clímax da anti-expectativa, salivam por surpreender, ambicionam à originalidade dos seus “posts” e à sensação causada nos outros que é sempre maior consoante menor for a sua conformidade com as expectativas geradas. Poderia e deveria haver uma designação filosófica para esta corrente comportamental moderna e contemporânea que conjuga uma forma de niilismo perante todos os factores potencialmente perturbadores do clímax causado por um “carpe diem” surpreendente e não esperado, o único digno das “flashadas” das redes sociais.

Assim, quando a ignorância, racismo e sexismo de Donald Trump criam a expectativa de umas eleições pré-determinadas pela sua derrota ameaçando, dessa forma, o clímax de um “carpe diem” surpreendente ambicionado e perseguido, eis que esta geração das redes sociais exacerba o seu niilismo num bloqueio mental e intelectual a esses factores em defesa de um “WOW” final e do orgasmo cataclísmico de um “Carpe Diem” digno de milhões de posts e milhões de twits. 

Pergunto o que se falou de Donald Trump nas redes socias desde a sua vitória? Pergunto o que se teria falado de Hillary Clinton tivesse esta ganho? Aí está um bom motivo para a vitória de Trump…   


É por isso com agrado que sou confrontado com as expectativas do mundo actual nas vitórias da extrema direita em França, na Holanda e no seu ressurgimento um pouco por todo o mundo “desenvolvido”, munido que estou da crença nesta geração sedenta do surpreendente, do diferente, do choque da anti-expectativa digna de registo “postado” ou “twittado” com que alimenta o vício social da sua dependência sociológica.       

domingo, 27 de novembro de 2016

Adeus Fidel!

Fidel Castro foi homem de grandes paradoxos que à história caberá esclarecer (ou não) mas mesmo na morte foi controverso e não obedeceu aos cânones estabelecidos. Estes dizem-nos que a morte física precede a morte espiritual mas em Fidel Castro ocorreu o contrário e foi aquando da sua morte espiritual que dele me despedi, num Adeus que agora, na sua morte física, lembro...

Adeus Cuba!

Mas como em todo o personagem da magnitude que transcende a própria vida, a última palavra é e deverá ser dele:

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

E Trump é o novo líder do mundo "livre" e comandante supremo do mais avançado exército da história da Humanidade!

Quase todos os cronistas, analistas, politólogos etc etc tentam hoje forjar uma teoria socio-cultural, socio-economica, psicanalítica, filosófica, demográfica ou somente sociológica capaz de explicar e fundamentar a eleição de Donald Trump para Presidente dos EUA.

Eu próprio julgo também já o ter feito, antecipadamente, quando dissertei sobre a A democracia da ignorância.

Mas agora é hora de olhar o futuro e nesse olhar tentar encontrar o optimismo que os apoiantes de Trump parecem nutrir..Talvez seja apenas uma questão de perspectiva...Tentemos pois, a bem da democracia, tentar entender a perspectiva dos apoiantes de simpatizantes de Trump, deixando um video pedagógico para o efeito:


sábado, 29 de outubro de 2016

O elogio de Schäuble à Geringonça!

Já tive oportunidade de, em textos anteriores, ilustrar o que julgo ser a visão para Europa, e o trilho que pretendem traçar rumo a essa visão, que os acuais decisores políticos europeus nutrem, cultivam e defendem acerrimamente.

Constituindo-se o PPE a família política que manda na Europa actualmente, constituída pelos seus tecnocratas de Bruxelas a mando da Ecofin de Schäuble e “familiares”, entenda-se da mesma família política, cedo se percebeu qual a ideia desta “família” para a sua Europa. Agastados com os “gaps” de produtividade entre os países da periferia europeia e os da Europa Central perpetuadores, face à impossibilidade de “manietação” cambial e monetária por contrária serem aos interesses do franco alemão e outras moedas que tal, de desequilíbrios financeiros cada vez menos bem recebidos pelos mercados financeiros, a actual elite governativa europeia esboçou um modelo de desenvolvimento europeu assente numa Europa a duas velocidades.

Esta Europa a duas velocidades caracteriza-se pela coexistência, dentro do espaço europeu, de dois modelos de desenvolvimento económico distintos; por um lado um modelo de desenvolvimento económico para os países do centro e norte da Europa e outro para os países da periferia. Se para os países do centro e do norte da Europa é defendido um modelo de competitividade assente em actividades de elevado valor acrescentado necessitadas de elevados índices de produtividade resultando, por isso, em níveis remuneratórios elevados e consequentes elevados poderes de compra e elevados níveis de vida para a população que se constitui a mão-de-obra desses países, para os países da periferia passou a ser defendido, por este PPE neo-liberal que manda actualmente na Europa, um modelo de desenvolvimento económico suportado por uma competitividade derivada da desvalorização do factor trabalho. Não possuindo os índices de produtividade dos países do centro e do norte, a estes países da periferia resta serem competitivos por via de praticarem níveis salariais mais baixos, degenerando num modelo de crescimento assente na desvalorização e precarização do factor trabalho conducente a mais baixos poderes de compra e à perda de nível e qualidade de vida da população desses países que constituem a sua mão-de-obra.

Esta é, segundo o ponto de vista da elite governativa europeia actual, a única solução viável de subsistência e sobrevivência dos países da periferia europeia. Assim, é com naturalidade que os representantes desta visão da Europa defendam, aplaudam, recomendem e receitem até medidas e políticas que conduzam à concretização dessa visão… Tudo o que contribua para mudanças estruturais no mercado laboral dos países da periferia no sentido da desvalorização do factor trabalho e à sua cada vez mais submissa dependência do factor capital (sob a forma sobretudo de Investimento Estrangeiro) é defendido, aplaudido e recomendado por estes senhores que pensam mandar e desmandar na Europa. É também com naturalidade que quando surgem agentes políticos com visões diferentes da destes, por exemplo governos de países periféricos que defendam para os seus países modelos de crescimento semelhantes aos do centro e Norte da Europa, reclamando políticas de educação, formação e qualificação susceptíveis de dotar as suas populações de índices de produtividade capazes de substanciar tais modelos de crescimento virtuoso e recusando medidas que visem somente a desvalorização e precarização do factor trabalho “substanciadoras” do modelo de crescimento pernicioso que lhes querem impor por conducentes à precarização das condições de vida da população que constitui esse factor trabalho serem, aí estes mesmos senhores reagem de forma antagónica e ao invés de aplausos e lisonjas, reagem com criticismo, reprovação e até provocação.


Assim, quando este “gang” de lobos de sobrenome Schäuble, que é o principal rosto sinistro da defesa e da imposição desta Europa a duas velocidades, refere que “Portugal estava a ser muito bem sucedido até ao novo Governo", tal afirmação apenas poderá ser percepcionada, por quem se preocupa com a defesa das condições de vida e do bem-estar da população portuguesa, como um enorme elogio à actual solução governativa, carinhosamente apelidada de “Geringonça”, e uma duríssima ofensa e crítica à anterior solução governativa, pretensiosamente auto-denominada de “Portugal à Frente”