A surpresa do BREXIT!
Este poderia ter sido
o outro título do presente texto mas, no espírito do Euro 2016, optei pelo “look”
à la Placard… A verdade é que o “outcome” (reparem que estou a abusar
propositadamente dos inglesismos neste texto, será que ainda o posso fazer?) do
referendo britânico se constituiu numa surpreendente e inesperada notícia.
Nunca acreditei que o SIM à saída pudesse ganhar. Estava tão crente que a
permanência do Reino Unido seria a opção mais votada que contemplei seriamente
publicar o meu “post” bi-semanal antecipadamente de forma a revelar o meu prognóstico
da vitória do BREMAIN. Bem hajam as obrigações profissionais e parentais a
evitarem embaraços futuros… Mas porque estava eu tão convicto que a permanência
do Reino Unido na União Europeia seria a opção vencedora?
Já aqui publiquei vários textos dedicados ao que designo de
Capitalismo de Último Reduto e nessa caracterização extensiva denunciei aquilo
que julgo ser uma das principais matrizes deste modelo socio-económico que se
constitui na submissão de tudo ao primado financeiro, democracia incluída
(vide Capitalismo de Ultimo Reduto – o Grande Sequestrador). Desta supremacia do primado financeiro brota uma civilização de
comprometimento com esse mesmo primado, amorfa, comodista e receosa de toda e
qualquer alteração ao “status quo” vigente. São várias as manifestações na
realidade política e social que atestam a capacidade deste Capitalismo de
Último Reduto vergar e tornar sem ímpeto toda uma civilização:
- em Wall-Street quando inicialmente exigíamos “sangue”
pelos devaneios e libertinagens dos filhos pródigos deste Capitalismo de Último
Reduto, acabámos por ser convencidos que as mudanças que exigíamos ainda seriam
piores do que aguentar o que já temos. Impor a estes Bancos de Investimento Especulativo
restrições ao seu “business as usual” conduziria a constrangimentos na sua capacidade
fazer dinheiro que em última análise sistémica degeneraria na falência do nosso
modelo de desenvolvimento e com essa falência viria a pobreza, a fome, a
miséria e o conflito, o apocalipse. E foi assim, e apelando ao nosso sentido
pragmático de grandes estadistas a que a mediocridade intelectual contemporânea
parece aspirar, não só aceitámos que nada tivesse sido feito como nos
conformámos ainda em suportar os bilionários fundos concedidos a essas
sacro-entidades a título de resgate.
- na Ucrânia quando uma invasão e violação ostensiva de
soberania (falo da Crimeia) fez soar os alarmes de uma possível guerra às portas
da Europa muito se falou, muito se ameaçou e muito se sancionou para no final
nos convencerem que uma tomada de posição forte e determinada em relação à
Rússia seria altamente prejudicial para o interesse de todos. Foi-nos feito ver
que embater de frente com a Rússia, para além das possíveis ramificações
militares nada favoráveis, comprometeria a situação na Síria, onde se quer a
Rússia como aliado e não inimigo… Confrontar este invasor desenfreado faria ainda cortar o fornecimento de gás a grande parte da Europa e nós não queremos
chatear o senhor do gás. Os agentes de inteligência deste nosso modelo
socio-económico (políticos, comentadores, analistas e académicos amplamente
difundidos pelos meios de comunicação social que hoje nos entram em casa por
todos os lados) lá nos desenharam o vislumbre do que seria tomar uma posição
idealista perante o colosso russo, um desenho feito de frio e guerra num
inverno apocalíptico que nos transportaria de volta aos “dark-ages”. E foi
assim com naturalidade, sempre contando com o nosso alto e pragmático sentido
de Estado, que acabámos todos a ver a Rússia a mandar e a desmandar a seu
bel-prazer, pedinchando apenas que não nos corte o gás.
- na Grécia, quando depois de destratados, vilipendiados e
humilhados, foi ameaçada por um governo radical, a saída da Grécia do EURO; os
gregos estavam fartos desta Europa abusivamente mandona e tirana e ameaçaram
bater com a porta na cara dessa mesma Europa até que lhes foi feito ver o que
tal implicaria…Não só perderiam o acesso à tranche negociada mas, mais
importante, ao apoio encapotado do BCE sem o qual deixariam de poder financiar os gastos públicos imprescindíveis à manutenção de uma
dignidade mínima do povo grego. Foi assim com naturalidade e sempre contando
com o pragmático sentido de Estado que até um Governo radical de esquerda
sucumbiu a uma solução de comprometimento e lá ficaram os gregos amarrados a
esta Europa que os despreza.
Também no caso do Brexit, quando comecei a assistir ao
desfile de políticos, analistas financeiros, comentadores e arautos de todo o
tipo do pragmatismo a alertar para os perigos catastróficos da saída da Reino
Unido da União Europeia, tive a certeza de que uma vez mais iríamos assistir a
uma manifestação de comprometimento para com uma solução que contentasse esta
civilização comodista, amorfa e receosa dos perigos que advêm de desafiar a
supremacia do primado financeiro. Tinha tanta certeza que tinha até já
escolhida a citação para o “post” do BREMAIN, que viria em inglês e em formato
de vídeo (vide No Surprises).
Enganei-me e nesse engano, discordando do nosso
primeiro-ministro, considero o dia do BREXIT, não um dia triste, mas um dia
feliz! Tão somente o facto de surpreender esta lógica capitalista de último
reduto e desafiar a supremacia do primado financeiro significa mais opções,
significa mais possibilidades, significa uma solução de ruptura num mundo
mirrado por uma constate e amorfa escolha de soluções de comprometimento,
significa a vitória de Democracia sobre a Tirania do Primado Financeiro e isso só pode ser
motivo de felicidade. Mas os motivos do meu contentamento não se esgotam no
simbolismo do resultado e da significância desse simbolismo. Já aqui havia defendido
que a abordagem economicista e meramente financeira à realidade política
deveria ser, não substituída, mas complementada por uma abordagem filosófica e
humanista a essa mesma realidade e que o pragmatismo deveria dar lugar, de quando
em vez, ao idealismo enquanto único catalisador capaz de “break-throughs” civilizacionais
significativos e foi suportado nessa abordagem humanista que defendi a minha
ideia de União Europeia (vide O Drama Europeu: A Superação – A Crise dos Refugiados e o Quinto Império), aproximando-a de um ideal 5º Império de
Fernando Pessoa onde não há lugar para um Reino Unido que pretende sair da União
Europeia não por motivos nobres mas motivado por razões xenófobas enfatizadas
por um sentimento de arrogante despeito e desdém pelos seus parceiros de união,
ou para um Reino Unido de “hooligans” cujo passatempo é ridicularizar crianças
famintas (vide Hooligans Ingleses) e onde não há lugar
para um país onde se esfaqueia até à morte quem pensa diferente. Por tudo isto
é para mim um dia feliz o dia em que o BREXIT ganhou e foi ditada a saída do Reino
Unido da União Europeia.
O supracitado não significa que seja alheio ao facto
de estarmos a falar da saída da 5ª maior economia mundial da União Europeia e
de todas as previsíveis consequências dessa constatação (basta olhar para as
bolsas mundiais) mas como diria José Saramago “…Acham eles que passando nós
fome nas nossas terras nos devíamos sujeitar a tudo, mas aí é que se enganam,
que a nossa fome é uma fome limpa, e os cardos que temos de ripar, ripam-nos as
nossas mãos, que mesmo quando estão sujas, limpas são, não há mãos mais limpas
do que as nossas (...) e um homem pode escolher
entre a fome inteira e a vergonha de comer o que nos dão…”.