sábado, 25 de junho de 2016

BREXIT 1 – 0 CAPITALISMO DE ÚLTIMO REDUTO

A surpresa do BREXIT!
Este poderia ter sido o outro título do presente texto mas, no espírito do Euro 2016, optei pelo “look” à la Placard… A verdade é que o “outcome” (reparem que estou a abusar propositadamente dos inglesismos neste texto, será que ainda o posso fazer?) do referendo britânico se constituiu numa surpreendente e inesperada notícia. Nunca acreditei que o SIM à saída pudesse ganhar. Estava tão crente que a permanência do Reino Unido seria a opção mais votada que contemplei seriamente publicar o meu “post” bi-semanal antecipadamente de forma a revelar o meu prognóstico da vitória do BREMAIN. Bem hajam as obrigações profissionais e parentais a evitarem embaraços futuros… Mas porque estava eu tão convicto que a permanência do Reino Unido na União Europeia seria a opção vencedora?

Já aqui publiquei vários textos dedicados ao que designo de Capitalismo de Último Reduto e nessa caracterização extensiva denunciei aquilo que julgo ser uma das principais matrizes deste modelo socio-económico que se constitui na submissão de tudo ao primado financeiro, democracia incluída (vide Capitalismo de Ultimo Reduto – o Grande Sequestrador). Desta supremacia do primado financeiro brota uma civilização de comprometimento com esse mesmo primado, amorfa, comodista e receosa de toda e qualquer alteração ao “status quo” vigente. São várias as manifestações na realidade política e social que atestam a capacidade deste Capitalismo de Último Reduto vergar e tornar sem ímpeto toda uma civilização:
- em Wall-Street quando inicialmente exigíamos “sangue” pelos devaneios e libertinagens dos filhos pródigos deste Capitalismo de Último Reduto, acabámos por ser convencidos que as mudanças que exigíamos ainda seriam piores do que aguentar o que já temos. Impor a estes Bancos de Investimento Especulativo restrições ao seu “business as usual” conduziria a constrangimentos na sua capacidade fazer dinheiro que em última análise sistémica degeneraria na falência do nosso modelo de desenvolvimento e com essa falência viria a pobreza, a fome, a miséria e o conflito, o apocalipse. E foi assim, e apelando ao nosso sentido pragmático de grandes estadistas a que a mediocridade intelectual contemporânea parece aspirar, não só aceitámos que nada tivesse sido feito como nos conformámos ainda em suportar os bilionários fundos concedidos a essas sacro-entidades a título de resgate.
- na Ucrânia quando uma invasão e violação ostensiva de soberania (falo da Crimeia) fez soar os alarmes de uma possível guerra às portas da Europa muito se falou, muito se ameaçou e muito se sancionou para no final nos convencerem que uma tomada de posição forte e determinada em relação à Rússia seria altamente prejudicial para o interesse de todos. Foi-nos feito ver que embater de frente com a Rússia, para além das possíveis ramificações militares nada favoráveis, comprometeria a situação na Síria, onde se quer a Rússia como aliado e não inimigo… Confrontar este invasor desenfreado faria ainda cortar o fornecimento de gás a grande parte da Europa e nós não queremos chatear o senhor do gás. Os agentes de inteligência deste nosso modelo socio-económico (políticos, comentadores, analistas e académicos amplamente difundidos pelos meios de comunicação social que hoje nos entram em casa por todos os lados) lá nos desenharam o vislumbre do que seria tomar uma posição idealista perante o colosso russo, um desenho feito de frio e guerra num inverno apocalíptico que nos transportaria de volta aos “dark-ages”. E foi assim com naturalidade, sempre contando com o nosso alto e pragmático sentido de Estado, que acabámos todos a ver a Rússia a mandar e a desmandar a seu bel-prazer, pedinchando apenas que não nos corte o gás.
- na Grécia, quando depois de destratados, vilipendiados e humilhados, foi ameaçada por um governo radical, a saída da Grécia do EURO; os gregos estavam fartos desta Europa abusivamente mandona e tirana e ameaçaram bater com a porta na cara dessa mesma Europa até que lhes foi feito ver o que tal implicaria…Não só perderiam o acesso à tranche negociada mas, mais importante, ao apoio encapotado do BCE sem o qual deixariam de poder financiar os gastos públicos imprescindíveis à manutenção de uma dignidade mínima do povo grego. Foi assim com naturalidade e sempre contando com o pragmático sentido de Estado que até um Governo radical de esquerda sucumbiu a uma solução de comprometimento e lá ficaram os gregos amarrados a esta Europa que os despreza.

Também no caso do Brexit, quando comecei a assistir ao desfile de políticos, analistas financeiros, comentadores e arautos de todo o tipo do pragmatismo a alertar para os perigos catastróficos da saída da Reino Unido da União Europeia, tive a certeza de que uma vez mais iríamos assistir a uma manifestação de comprometimento para com uma solução que contentasse esta civilização comodista, amorfa e receosa dos perigos que advêm de desafiar a supremacia do primado financeiro. Tinha tanta certeza que tinha até já escolhida a citação para o “post” do BREMAIN, que viria em inglês e em formato de vídeo (vide No Surprises).


Enganei-me e nesse engano, discordando do nosso primeiro-ministro, considero o dia do BREXIT, não um dia triste, mas um dia feliz! Tão somente o facto de surpreender esta lógica capitalista de último reduto e desafiar a supremacia do primado financeiro significa mais opções, significa mais possibilidades, significa uma solução de ruptura num mundo mirrado por uma constate e amorfa escolha de soluções de comprometimento, significa a vitória de Democracia sobre a Tirania do Primado Financeiro e isso só pode ser motivo de felicidade. Mas os motivos do meu contentamento não se esgotam no simbolismo do resultado e da significância desse simbolismo. Já aqui havia defendido que a abordagem economicista e meramente financeira à realidade política deveria ser, não substituída, mas complementada por uma abordagem filosófica e humanista a essa mesma realidade e que o pragmatismo deveria dar lugar, de quando em vez, ao idealismo enquanto único catalisador capaz de “break-throughs” civilizacionais significativos e foi suportado nessa abordagem humanista que defendi a minha ideia de União Europeia (vide O Drama Europeu: A Superação – A Crise dos Refugiados e o Quinto Império), aproximando-a de um ideal 5º Império de Fernando Pessoa onde não há lugar para um Reino Unido que pretende sair da União Europeia não por motivos nobres mas motivado por razões xenófobas enfatizadas por um sentimento de arrogante despeito e desdém pelos seus parceiros de união, ou para um Reino Unido de “hooligans” cujo passatempo é ridicularizar crianças famintas (vide Hooligans Ingleses) e onde não há lugar para um país onde se esfaqueia até à morte quem pensa diferente. Por tudo isto é para mim um dia feliz o dia em que o BREXIT ganhou e foi ditada a saída do Reino Unido da União Europeia. 

O supracitado não significa que seja alheio ao facto de estarmos a falar da saída da 5ª maior economia mundial da União Europeia e de todas as previsíveis consequências dessa constatação (basta olhar para as bolsas mundiais) mas como diria José Saramago “…Acham eles que passando nós fome nas nossas terras nos devíamos sujeitar a tudo, mas aí é que se enganam, que a nossa fome é uma fome limpa, e os cardos que temos de ripar, ripam-nos as nossas mãos, que mesmo quando estão sujas, limpas são, não há mãos mais limpas do que as nossas (...) e um homem pode escolher entre a fome inteira e a vergonha de comer o que nos dão…”.

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