Findo o ano de 2015, e depois de muito já ter dissertado
acerca do que foi o passado político recente, caracterizado sobretudo pela
emergência de um Capitalismo de Último Reduto já aqui devidamente caraterizado,
julgo ser sadio, não só porque agora se inicia um novo ano mas também porque a
este novo ano corresponde um novo momento e uma nova era política, centrar,
quanto mais não seja por um “post”, o meu discurso no futuro e aproveitando a
folia de “réveillon”, deixar os meus desejos para 2016, fazendo pois
corresponder a cada passa (das 12 tradicionais de fim de ano) um desejo
político.
1ª passa política – como primeiro e primário desejo para
2016, tenho de eleger o que considero ser o fenómeno de maior premência
resolutiva, e que embora não totalmente político de resolução política carece –
o fenómeno dos refugiados. Não se tratando de um fenómeno eminentemente político
mas antes de cariz humanitário, a sua resolução e definição passam sobretudo
por uma intervenção política e é sobre essa intervenção política que dedico a
minha primeira passa política e que deixo o meu principal desejo e anseio
político para 2016. Este desejo e anseio políticos constituem-se primeiramente
que haja, ou passe a haver em 2016, uma consciencialização por parte dos
actores políticos com responsabilidades na matéria, do que já aqui referi, ou
seja, que este não é um fenómeno eminentemente político mas sim humanitário…E
que a actividade política, ao contrário da sua tendência recente, deva servir
causas humanitárias e submeter-se a estas e mediante estas recentrar o seu foco
e prioridades. Já aqui tive oportunidade de dissertar de como esta filosofia de
Capitalismo de Último Reduto subverteu a hierarquia de prioridades da
actividade política (vide Capitalismo de Ultimo Reduto – o Grande Sequestrador) e essa subversão de prioridades e de submissão de
valores éticos, humanitários e humanistas ao primado financeiro é, também na
questão dos refugiados, uma manifestação latente. É pois meu principal desejo
político para 2016 que a questão dos refugiados, com toda a tragédia humana que
nos invade via noticiários e redes socias, seja suficiente para sensibilizar os
actores políticos nela intervenientes a passarem, de uma vez por todas, a
pautar a sua actividade e condução política sob a batuta de valores
humanitários e éticos e não subordinada a valores financeiros e meramente
políticos. É assim meu firme desejo para 2016 que EUA e Rússia deixem de condicionar
o seu compromisso para com a questão síria à continuidade ou não de Bashar
Al-Assad no poder e afirmem o seu compromisso inequívoco para com aqueles
idosos, mulheres e crianças que arriscam a sua vida a fugir do fogo das armas
que eles próprios venderam e que à custa das quais muito a sua economia
prosperou. É meu firme desejo que a Europa deixe de condicionar a sua
receptividade aos migrantes fugitivos da tirania a questões e possibilidades
financeiras e afirme categoricamente que, para a Europa, a vida humana não tem
valor e que receberá quantos fugitivos para cá quiserem vir (se num país tão
pequeno como Portugal não há problema em enterrar 3 mil milhões de euros num
banco tão pequeno como o BANIF, quão pequenez e mesquinhez é nesta Europa
condicionar o apoio à vida humana a questões financeiras???). É meu firme desejo para 2016 que aqueles que
adulam Aristides Sousa Mendes (que espero ser toda a população portuguesa),
tenham a sensatez de calar as suas reticências quanto à receptividade de
fugitivos sírios. Infelizmente, nesta Europa de hoje, este meu principal desejo
político para 2016 parece não passar de uma utopia política…Numa Europa onde
aqueles que mais fazem na questão dos refugiados e que mais ardor humanitário
colocam na condução da sua actividade política são ridicularizados, ostracizados,
espezinhados, vilipendiados, humilhados e até ameaçados de expulsão por motivos
meramente financeiros (vide Grécia) e aqueles que ameaçam construir muros
fascistas para impedir a entrada de pessoas que fogem da miséria beligerante de
que são vítimas humanas mas que têm um défice aceite por Bruxelas (e Berlim)
nem de uma repreensão moral são alvo (vide Hungria) e numa Europa onde os
países desenvolvidos e civilizados são aqueles que aprovam leis xenófobas (vide
Dinamarca)…Nesta Europa, o meu principal desejo político para 2016 parece estar
condenado a esfumar-se em utopia que os pragmáticos como Cavaco Silva não
hesitarão em categorizar de devaneios esquerdistas.
2ª e restantes 10 passas políticas – depois da 1ª passa
política e da difícil digestão de que revelou ser, fiquei enjoado e sem vontade
de ingerir o que fosse mais no que a passas políticas diz respeito. Pensei até
ingerir algumas seguintes e dedicá-las à irrevogabilidade da decisão da saída
de Paulo Portas, ou do desfecho minimizador de perdas do Novo Banco ou da
reversão de algumas privatizações lesadoras do contribuinte…Pensei em todas
elas mas depois de ingerida a 1ª passa política, e face à dimensão dela (humana
e humanitária), a ideia de ingerir 11 mais, pequenas e insignificantes quando
comparadas, pareceu-me claramente nauseante pelo que decidi não as comer e
guardá-las para 2016 na esperança remota de que, concretizado o meu primeiro
desejo político, possa conhecer em 2016 em Portugal onze refugiados a quem
entregarei de muito bom grado as minhas onze passas não comidas e os meus onze
desejos políticos não formulados (com certeza os seus desejos políticos serão
bem mais profundos, fundamentados e legítimos do que os meus).
“Tenho vergonha, enquanto membro desta liderança europeia,
tanto pela incapacidade da Europa em dar resposta efectiva a este drama humano,
como pelo nível do debate nas altas instâncias, em que cada um tenta passar a
culpa para o outro.(…) Há muita hipocrisia e lágrimas de crocodilo a serem
derramadas pelas crianças mortas nas costas do Egeu. Crianças mortas provocam
sempre dor. Mas e as crianças que estão vivas e chegam aos milhares e ficam
empilhadas nas ruas? Dessas ninguém gosta.(…) as ondas do Egeu não estão a
afogar apenas os refugiados e as crianças, mas a própria civilização europeia”.
(Alexis Tsipras, 30 de Outubro de 2015)
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