terça-feira, 2 de agosto de 2011

Os desafios da governação pós-socrática – parte I

Ora bem, antes de mais devo dizer que não é fácil suceder ao político mais ‘esguio’ de todo o sempre em Portugal – não vale a pena enumerar as toneladas de escândalos por que passou e aos quais sobreviveu, com o patrocínio do ‘polvo’ que conseguiu construir. Acabei de transmitir a única razão que me faz sentir uma ponta de admiração por esta pessoa, um pouco como o sentimento que nutro pelo grande João Vale e Azevedo ou outro qualquer actor da vida pública que consistentemente consiga levar a bom porto comportamentos desviantes (aqui o mérito, claro está, encontra-se na construção dos alicerces que permitiram, no caso do engenheiro, que tivéssemos que assistir à sua actuação durante 6 anos, fora o tacho no ambiente).

Devo dizer que, ainda assim, consigo reconhecer alguns méritos na sua governação, entre os quais destaco a aposta nas energias renováveis, a que agora consigo dar valor, não obstante ter algumas dúvidas quanto ao modelo de incentivos ao seu desenvolvimento vigente, designadamente ao seu impacto nas contas públicas presentes e futuras (aqui o problema nem é só português, mas tenho algumas reservas no que respeita ao financiamento ‘cego’ de tecnologias que são, neste momento, quer queiramos quer não, menos eficientes, e cuja fase de evolução faz antever forçosamente a ocorrência de desenvolvimentos tecnológicos. É só os chineses quererem.), a aposta nas modernização da Administração Tributária e aquele que foi aproveitado como instrumento de campanha política, o Magalhães.

Que raio, o engenheiro teria que acertar em alguma coisa.

Ora, felizmente as últimas eleições legislativas trouxeram a muito ansiada – pelo menos por mim – cambalhota politica: a viragem à direita. Não pretendo nesta fase debruçar-me sobre a actuação do governo até à data – fá-lo-ei sem problemas no futuro - mas sim abordar a inaplicabilidade actual do socialismo à economia portuguesa, nos seus moldes e conjuntura actuais.

Problema mais que óbvio e facilmente identificável: Fraca produtividade do factor trabalho provocada, em grande parte, por um código de trabalho que protege demasiadamente o trabalhador e que está na origem de naturais situações de acomodação, facebook e inércia, com desincentivo total ao mérito e distinção, na perspectiva de quem trabalha e produz.

Resposta do socialismo: “Vamos defender o trabalhador, manter a rede de protecção existente e apostar as exportações e na integração dos jovens”. Integração dos jovens quando temos um mercado atrofiado, em que é estupidamente castigar quem é improdutivo, que permita “abrir espaço” para quem realmente quer trabalhar? Apostar as cartas todas no factor exportações, quando este depende, quanto muito, tanto do nosso tecido empresarial, como da própria conjuntura mundial?

Problema mais que óbvio e facilmente identificável: Sistema de saúde gratuito (apenas moderado), fortemente deficitário e insustentável no médio/longo prazos.

Resposta do socialismo: “Vamos defender intransigentemente o sistema nacional de saúde (SNS). Qualquer concessão neste ponto é tragédia nacional”. Traduzindo, vamos deixar isto andar, no futuro logo se vê, quem vier que feche a porta.

Aqui tenho uma visão muito clara…Era bom que o SNS continuasse gratuito? Sim, sem dúvida. Devemos continuar a defendê-lo, mesmo sabendo que não temos condições para o manter no longo prazo? Obviamente que não… (Devemos simplesmente privatizá-lo? É claro que também não…). Não me vou tornar exaustivo neste assunto, embora muito haja que dizer, mas para mim é claro que se deve procurar promover a sustentabilidade apelando ao princípio do utilizador pagador, excepto em casos de comprovada incapacidade, devendo, nesses casos, claro está, o Estado intervir.

Os impostos que já pagamos? Estão a servir para tapar os buracos que derivam de vários maus anos de governação socialista e não só. Deal with it.

Paralelamente, há que aumentar a transparência na gestão da coisa pública na área da saúde – sinceramente dá a ideia que, mais obscura que a gestão hospitalar, só a gestão camarária – bem como apostar na concentração criteriosa de valências hospitalares, particularmente nas grandes cidades e áreas metropolitanas, como forma de melhorar a eficiência e criar sinergias, e na pequena urgência e unidades móveis.

(To be continued…provavelmente com outros temas tendencialmente fracturantes)



1 comentário:

  1. Em primeiro lugar, deixa parabenizar-te por assumires claramento o teu posicionamento no espectro político, não só pelo teor do artigo, como também pelo facto de assinares com 3 nomes :)

    Comentários:

    Ponto 1 - energias renováveis: se o Estado (ou outro qualquer agente) não arcar com as perdas temporárias em energias que ainda são menos eficientes que o petróleo, não se chamaria "investimento". A alternativa é a liberalização, deixar o mercado decidir. O Reino Unido fez isso, liberalizou os mercados e esteve (está?) à beira de uma crise energética que levou aquele país a lançar-se tardiamente e desesperadamente em investimentos em... renováveis. (http://www.economist.com/node/14167834)
    Como disseste, nada impede que de hoje para amanhã os chinese não inventem algo melhor e o nosso investimento vai à vida... mas por isso mesmo também se chama "investimento"

    Ponto 2 - exportações: são tanto uma obsessão de direita como de esquerda. A diferença é que enquanto a direita liberal põe o enfoque em medidas que passam lucro de outros agentes (estado e trabalhadores dependentes) para os produtores, tais como a redução dos custos laborais (tretas à parte, ainda que com outros objectivos, a descida drástica da TSU é isso mesmo) e fiscais, a esquerda progressista coloca o ênfase (nem sempre na prática se fez o melhor possível, infelizmente) na renovação da estrutura produtiva nacional (como as energias renováveis e as tecnologias) - este último caminho é certamente mais dificil, mas é o que leva a um tipo crescimento que não se resume a um aumento do PIB.

    Ponto 3 - Saúde: quase que parece que a saúde é o nosso grande mal. Sim, é certo que a saúde tem vindo a aumentar o seu peso no PIB, mas também é um facto que a percentagem de despesa pública no total da despesa em saúde tem vindo a diminuir. A manter-se como está, tenderá a aumentar em termos absolutos? Provavelmente. Será insustentável? Não sei... pessoalmente preferiria que me aumentassem os impostos a que acabassem com a cobertura universal. Mas talvez nem isso chegue, não sei... simplesmente não confio na direita carregada de preconceitos liberais para tomar essa decisão.

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