Já aqui tive oportunidade de definir Capitalismo de Último
Reduto naquilo que se constitui a sua génese (vide A cronologia de uma morte adiada: O Capitalismo de Último Reduto - Prelúdio, A cronologia de uma morte adiada: O Capitalismo de Último Reduto - Trama, A cronologia de uma morte adiada: O Capitalismo de Último Reduto - Epílogo) e naquilo que se
constitui a sua maturação e materialização na realidade económico-social (vide Capitalismo de Último Reduto em Portugal – a diferença irrevogável entre PS e (este) PSD). Proponho agora abordar o conceito de Capitalismo de Último Reduto naquilo
que é a Filosofia que lhe subjaz, a sua alma, a aura intangível que concretiza
este conceito num corpo coerente, consistente e cuja abrangência é transversal
à realidade das sociedades contemporâneas actuais; essa filosofia corrobora-se
na submissão de tudo ao Capital, no grande sequestro de todas as facetas e
componentes da nossa sociedade perpetrado pela componente financeira. Esta aura
intangível do Capitalismo de Último Reduto, que a divindade se assemelha,
designa um pragmatismo que, logica e coerentemente, sequestra a civilização
contemporânea na concretização das suas possibilidades em termos de equidade e
justiça social, solidariedade inter-geracional e até na plena concretização da
democracia, valores que que se esperariam ser, nas sociedades actuais
desenvolvidas, predominantes sobre quaisquer outros mas que não o são para o
Capital. São várias as manifestações dessa capacidade de submeter tudo a uma lógica
financeira, castrando dessa forma as sociedades e restringindo-as ao nível do
leque das opções de que dispõem no que diz respeito a questões éticas, morais e
humanitárias. Vejamos então exemplos dessas mesmas manifestações da submissão
ao capital e ao financeiro…
- a manifestação
bancária: os incontáveis resgates e auxílios financeiros a bancos de iniciativa
e capital privados por via da canalização de dinheiro dos contribuintes é, em
termos de ética social e de acordo com princípios de equidade e justiça social,
algo que apenas pode ser descrito como abominável; canalizar fundos gerados e
pagos pela sociedade que poderiam e deveriam ser destinados a áreas da
educação, saúde e justiça para resgatar empresas de iniciativa privada é uma
perversão, neste caso, da própria teoria capitalista de iniciativa privada em
que a incapacidade de determinadas empresas se conseguirem manter em mercados
concorrenciais deveria determinar a saída e extinção dessas mesmas empresas; é
isto que a teoria da iniciativa privada defende mas que não acontece neste
nosso Capitalismo de Último Reduto, e não acontece porquê? Não acontece pois os
bancos emprestam uns aos outros e transaccionam entre si, tecendo dessa forma
teias de dependência que implicam que a queda de um deles tenha implicações
graves para todos os outros, implicações essas susceptíveis de condicionar a
capacidade desses mesmos bancos em continuar a financiar a “economia real” e
assim afectar a actividade económica. Resumindo: um banco abre falênciaà os restantes bancos do
sistema financeiro ressentem-se nos seus balanços dadas as relações
transaccionais que mantinham com o banco falidoà
esse ressentimento repercute-se na capacidade de financiamento desses bancos
que “fecham a torneira” aos empréstimos à “economia real”à sem esses empréstimos,
o lubrificante da economia, as empresas perdem capacidade de investimento e de
fundo de maneio que resulta da deterioração da sua situação financeiraà a deterioração da
situação financeira das empresas conduz a falências e despedimentos em massa.
Através da sequência lógica descrita, podemos concluir, com toda propriedade
lógica e coerência, que as medidas de resgate e auxílio financeiro a bancos em
dificuldades se constituem, no fundo, em verdadeiras medidas de cariz social de
combate preventivo ao desemprego e á precariedade social, culminando tal
dedução lógica naquilo que é sequestro do dinheiro dos contribuintes pelo
Capital Privado… Assim é no Capitalismo de Último Reduto…
- a manifestação
fiscal: este tipo de manifestação tornou-se bastante visível nas
preocupações evidenciadas recentemente por um sector da nossa sociedade
portuguesa aquando da eleição de um governo que afiançou travar a tributação
violatória dos rendimentos do trabalho. Logo vozes de preocupação se levantaram
e perguntaram: “se não vão tributar o trabalho, vão tributar o quê? Os lucros
da minha empresa? A minha herança? Os meus Activos Financeiros?” . Desde logo
estas vozes alarmistas e mimadas ameaçaram: “se deixar de ser o assalariado a
pagar a grande fatia da factura desta crise, pego no meu dinheiro e levo-o
daqui para fora e ponho-o noutro país e aí constituo empresas e aplicações
financeiras que não sejam tão tributadas…”. A revoltante prepotência elitista
deste tipo de afirmações, apesar de ser socialmente injusta uma vez que propõe
uma iniquidade na carga fiscal aplicada, consistente na maior tributação de um
determinado sector da sociedade (o sector assalariado) e na salvaguarda de
outro (o sector detentor do capital), é inteiramente lógica e pertinente. Vejamos…Dada
a perfeita mobilidade de capitais existente entre mercados, é perfeitamente
legítimo que os detentores desse capital transfiram a sua riqueza para onde a
possibilidade de o rentabilizar em termos líquidos seja superior e isto
acarreta o seguinte desencadear de eventos: o governo propõe uma maior justiça
fiscal ao travar a tributação excessiva do rendimento do factor trabalhoà dado o imperativo de
rigor orçamental a que é obrigado, tornam-se expectáveis medidas de tributação
compensatórias, que não podendo incidir sobre o trabalho apenas sobre o capital
o poderão serà
os detentores de capital transferem esse mesmo capital para fora do paísà sendo um capital
produtivo, ou seja, destinado à realização de investimento, tal significa que a
transferência desse mesmo capital para fora do país implicará uma diminuição do
investimento privado que por sua vez implicará um redução de empregos gerados e
portanto mais desemprego e precariedade socialà
sendo um capital não produtivo mas financeiro, ou seja, destinado à aplicação
em bancos com vista a ganhos e rendimentos financeiros, a transferência desse
capital seria susceptível de degenerar numa descapitalização dos bancos que
desencadearia a sequência de eventos descrita anteriormente na “manifestação
bancária” e conducente também ela a uma situação de aumento de desemprego e
precariedade social. Através da sequência lógica descrita, podemos concluir,
com toda propriedade lógica e coerência, que a concretização de uma política
fiscal discriminatória que penaliza mais um sector da sociedade (o sector
assalariado) enquanto salvaguarda outro (o sector detentor de capital) se
constitui, no fundo, numa verdadeira política de cariz social de combate
preventivo ao desemprego e à precariedade social, culminado tal dedução lógica
naquilo que é o sequestro da política fiscal pelo Capital Privado… Assim é no
Capitalismo de Último Reduto…
- a manifestação
democrática: este tipo de manifestação designa a tentativa de condicionar
o voto democrático aos superiores interesses ditados pelos Mercados
Financeiros. Consiste em argumentar que votando em forças políticas que não
sejam tão “pró-mercado”, os países cujas forças políticas governantes sejam
dessa natureza sejam penalizados por isso mesmo. Vejamos a sequência lógica subjacente
a esta argumentação: é eleito um governo que propõe mais medidas de cariz
social e redução da austeridadeà
os mercados interpretam tal como uma diminuição da preocupação desse governo em
cumprir o seu serviço de dívidaà
esses mesmos mercados, sob a forma de agências de rating, sinalizam os mercados
de dívida relativamente a essa diminuta preocupação reduzindo as anotações de
risco concedidas a esses paísesà
com ratings mais baixos, esses mesmos países vêm as suas condições de acesso a
financiamento deterioradas, passando agora a pagar mais pela dívida contraídaà tendo custos
superiores com a gestão da sua dívida, maior terá necessariamente de ser a
parcela orçamental destinada a esse efeito, que se subtrai necessariamente à
parcela que poderia ser canalizada para o bem-estar da sociedade e que por isso
implica uma perda de bem-estar social para a população que votou em tais forças
políticas. Através da sequência lógica descrita, podemos concluir, com toda
propriedade lógica e coerência, que a votação em forças políticas “pró-mercado”
e capitalistas, normalmente associadas à direita política, se constitui, no
fundo, numa verdadeira política de cariz social de combate preventivo à perda
de bem-estar social, culminado tal dedução lógica naquilo que é o sequestro da
voto e da democracia pelo Capital Privado… Assim é no Capitalismo de Último
Reduto…
As três manifestações aqui descritas designam na perfeição a
capacidade sequestradora deste Capitalismo de Último Reduto; uma capacidade
suportada por um pragmatismo lógico e coerente que torna só mais difícil a sua
refutação. Medidas que são, por si, socialmente injustas, anti-democráticas e
eticamente reprováveis mas que ao abrigo deste modelo económico-social de
Capitalismo de Último Reduto se revestem de sentido lógico, coerência e
pertinência apenas podem atestar a perversão e perniciosidade desse moedelo.
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