quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Capitalismo de Ultimo Reduto – o Grande Sequestrador

Já aqui tive oportunidade de definir Capitalismo de Último Reduto naquilo que se constitui a sua génese (vide A cronologia de uma morte adiada: O Capitalismo de Último Reduto - PrelúdioA cronologia de uma morte adiada: O Capitalismo de Último Reduto - TramaA cronologia de uma morte adiada: O Capitalismo de Último Reduto - Epílogo) e naquilo que se constitui a sua maturação e materialização na realidade económico-social (vide Capitalismo de Último Reduto em Portugal – a diferença irrevogável entre PS e (este) PSD). Proponho agora abordar o conceito de Capitalismo de Último Reduto naquilo que é a Filosofia que lhe subjaz, a sua alma, a aura intangível que concretiza este conceito num corpo coerente, consistente e cuja abrangência é transversal à realidade das sociedades contemporâneas actuais; essa filosofia corrobora-se na submissão de tudo ao Capital, no grande sequestro de todas as facetas e componentes da nossa sociedade perpetrado pela componente financeira. Esta aura intangível do Capitalismo de Último Reduto, que a divindade se assemelha, designa um pragmatismo que, logica e coerentemente, sequestra a civilização contemporânea na concretização das suas possibilidades em termos de equidade e justiça social, solidariedade inter-geracional e até na plena concretização da democracia, valores que que se esperariam ser, nas sociedades actuais desenvolvidas, predominantes sobre quaisquer outros mas que não o são para o Capital. São várias as manifestações dessa capacidade de submeter tudo a uma lógica financeira, castrando dessa forma as sociedades e restringindo-as ao nível do leque das opções de que dispõem no que diz respeito a questões éticas, morais e humanitárias. Vejamos então exemplos dessas mesmas manifestações da submissão ao capital e ao financeiro…
- a manifestação bancária: os incontáveis resgates e auxílios financeiros a bancos de iniciativa e capital privados por via da canalização de dinheiro dos contribuintes é, em termos de ética social e de acordo com princípios de equidade e justiça social, algo que apenas pode ser descrito como abominável; canalizar fundos gerados e pagos pela sociedade que poderiam e deveriam ser destinados a áreas da educação, saúde e justiça para resgatar empresas de iniciativa privada é uma perversão, neste caso, da própria teoria capitalista de iniciativa privada em que a incapacidade de determinadas empresas se conseguirem manter em mercados concorrenciais deveria determinar a saída e extinção dessas mesmas empresas; é isto que a teoria da iniciativa privada defende mas que não acontece neste nosso Capitalismo de Último Reduto, e não acontece porquê? Não acontece pois os bancos emprestam uns aos outros e transaccionam entre si, tecendo dessa forma teias de dependência que implicam que a queda de um deles tenha implicações graves para todos os outros, implicações essas susceptíveis de condicionar a capacidade desses mesmos bancos em continuar a financiar a “economia real” e assim afectar a actividade económica. Resumindo: um banco abre falênciaà os restantes bancos do sistema financeiro ressentem-se nos seus balanços dadas as relações transaccionais que mantinham com o banco falidoà esse ressentimento repercute-se na capacidade de financiamento desses bancos que “fecham a torneira” aos empréstimos à “economia real”à sem esses empréstimos, o lubrificante da economia, as empresas perdem capacidade de investimento e de fundo de maneio que resulta da deterioração da sua situação financeiraà a deterioração da situação financeira das empresas conduz a falências e despedimentos em massa. Através da sequência lógica descrita, podemos concluir, com toda propriedade lógica e coerência, que as medidas de resgate e auxílio financeiro a bancos em dificuldades se constituem, no fundo, em verdadeiras medidas de cariz social de combate preventivo ao desemprego e á precariedade social, culminando tal dedução lógica naquilo que é sequestro do dinheiro dos contribuintes pelo Capital Privado… Assim é no Capitalismo de Último Reduto…
- a manifestação fiscal: este tipo de manifestação tornou-se bastante visível nas preocupações evidenciadas recentemente por um sector da nossa sociedade portuguesa aquando da eleição de um governo que afiançou travar a tributação violatória dos rendimentos do trabalho. Logo vozes de preocupação se levantaram e perguntaram: “se não vão tributar o trabalho, vão tributar o quê? Os lucros da minha empresa? A minha herança? Os meus Activos Financeiros?” . Desde logo estas vozes alarmistas e mimadas ameaçaram: “se deixar de ser o assalariado a pagar a grande fatia da factura desta crise, pego no meu dinheiro e levo-o daqui para fora e ponho-o noutro país e aí constituo empresas e aplicações financeiras que não sejam tão tributadas…”. A revoltante prepotência elitista deste tipo de afirmações, apesar de ser socialmente injusta uma vez que propõe uma iniquidade na carga fiscal aplicada, consistente na maior tributação de um determinado sector da sociedade (o sector assalariado) e na salvaguarda de outro (o sector detentor do capital), é inteiramente lógica e pertinente. Vejamos…Dada a perfeita mobilidade de capitais existente entre mercados, é perfeitamente legítimo que os detentores desse capital transfiram a sua riqueza para onde a possibilidade de o rentabilizar em termos líquidos seja superior e isto acarreta o seguinte desencadear de eventos: o governo propõe uma maior justiça fiscal ao travar a tributação excessiva do rendimento do factor trabalhoà dado o imperativo de rigor orçamental a que é obrigado, tornam-se expectáveis medidas de tributação compensatórias, que não podendo incidir sobre o trabalho apenas sobre o capital o poderão serà os detentores de capital transferem esse mesmo capital para fora do paísà sendo um capital produtivo, ou seja, destinado à realização de investimento, tal significa que a transferência desse mesmo capital para fora do país implicará uma diminuição do investimento privado que por sua vez implicará um redução de empregos gerados e portanto mais desemprego e precariedade socialà sendo um capital não produtivo mas financeiro, ou seja, destinado à aplicação em bancos com vista a ganhos e rendimentos financeiros, a transferência desse capital seria susceptível de degenerar numa descapitalização dos bancos que desencadearia a sequência de eventos descrita anteriormente na “manifestação bancária” e conducente também ela a uma situação de aumento de desemprego e precariedade social. Através da sequência lógica descrita, podemos concluir, com toda propriedade lógica e coerência, que a concretização de uma política fiscal discriminatória que penaliza mais um sector da sociedade (o sector assalariado) enquanto salvaguarda outro (o sector detentor de capital) se constitui, no fundo, numa verdadeira política de cariz social de combate preventivo ao desemprego e à precariedade social, culminado tal dedução lógica naquilo que é o sequestro da política fiscal pelo Capital Privado… Assim é no Capitalismo de Último Reduto…
- a manifestação democrática: este tipo de manifestação designa a tentativa de condicionar o voto democrático aos superiores interesses ditados pelos Mercados Financeiros. Consiste em argumentar que votando em forças políticas que não sejam tão “pró-mercado”, os países cujas forças políticas governantes sejam dessa natureza sejam penalizados por isso mesmo. Vejamos a sequência lógica subjacente a esta argumentação: é eleito um governo que propõe mais medidas de cariz social e redução da austeridadeà os mercados interpretam tal como uma diminuição da preocupação desse governo em cumprir o seu serviço de dívidaà esses mesmos mercados, sob a forma de agências de rating, sinalizam os mercados de dívida relativamente a essa diminuta preocupação reduzindo as anotações de risco concedidas a esses paísesà com ratings mais baixos, esses mesmos países vêm as suas condições de acesso a financiamento deterioradas, passando agora a pagar mais pela dívida contraídaà tendo custos superiores com a gestão da sua dívida, maior terá necessariamente de ser a parcela orçamental destinada a esse efeito, que se subtrai necessariamente à parcela que poderia ser canalizada para o bem-estar da sociedade e que por isso implica uma perda de bem-estar social para a população que votou em tais forças políticas. Através da sequência lógica descrita, podemos concluir, com toda propriedade lógica e coerência, que a votação em forças políticas “pró-mercado” e capitalistas, normalmente associadas à direita política, se constitui, no fundo, numa verdadeira política de cariz social de combate preventivo à perda de bem-estar social, culminado tal dedução lógica naquilo que é o sequestro da voto e da democracia pelo Capital Privado… Assim é no Capitalismo de Último Reduto…

As três manifestações aqui descritas designam na perfeição a capacidade sequestradora deste Capitalismo de Último Reduto; uma capacidade suportada por um pragmatismo lógico e coerente que torna só mais difícil a sua refutação. Medidas que são, por si, socialmente injustas, anti-democráticas e eticamente reprováveis mas que ao abrigo deste modelo económico-social de Capitalismo de Último Reduto se revestem de sentido lógico, coerência e pertinência apenas podem atestar a perversão e perniciosidade desse moedelo.

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