sábado, 5 de dezembro de 2015
Caracterização da Política Social do ex-governo de direita (by Pacheco Pereira & Fiódor Dostoievski)
Aquando da penúltima ou antepenúltima Quadratura do Círculo,
quando confrontado com a similaridade dos programas de PS e PSD, Pacheco
Pereira referiu algo que, a meu ver, cristaliza uma diferença fundamental entre
esta solução governativa de esquerda e a anterior de direita; disse Pacheco
Pereira, quando instado a comentar o facto de muitas das medida sociais como a
eliminação da sobretaxa de IRS, constarem tanto no programa do PS como no da
PàF, que existe uma diferença substancial entre dar e conceder algo porque se
acha que é de facto a acção certa e correcta a empreender e dar algo e conceder
algo contrariado e porque a isso de certa forma se é obrigado. Julgo, sinceramente,
que esta assunção comporta em si a essência da governação de direita nos
últimos 4 anos, palpável na aplicação de austeridade e visível na concessão de
medidas sociais. Ninguém duvidará que, fosse qual fosse a força partidária que
estivesse ao leme nos últimos 4 anos, também ela aplicaria uma grande e forte
dose de austeridade, agora tenho também a certeza que qualquer força de
esquerda tê-lo-ia feito enormemente contrariada e a contra-gosto; ao invés, a identificação da PàF para com a política de
austeridade foi tal que não se limitaram a aplicar a dose da “Troika”, quiseram
ir mais além…Julgo que toda a gente se lembrará de como representantes desta
mesma direita ansiavam, há quatro anos, pela chegada dos “troikianos”, de como
consideravam esta intervenção uma oportunidade única para implementar mudanças
estruturais essenciais para o bem do país, reformas necessárias no entender
deles; tal foi a identificação ideológica com as ideias de flexibilização do
mercado laboral, com o programa de privatizações e com a concepção do princípio
de desvalorização do factor trabalho enquanto factor de competitividade, que os
nossos representantes de direita gritaram “aleluia” à “Troika” e foram além
dela.Se na aplicação de austeridade o fizeram a gosto e de bom-grado,
já no que à condução da política social e na concessão de medidas sociais que
impliquem o Estado gastar dinheiro em subsídios, aí a emoção e sentimento
empenhados mudam radicalmente…Fazem-no a contragosto, de mau grado e fortemente
contrariados e ao contrário do que diz Pedro Passos Coelho (que afirma que de
forma contrariada ou a gosto a aplicação das medidas resulta sempre no mesmo a
partir do momento em que são efectivamente concretizadas, não interessando para
o efeito a intenção na aplicação das mesmas), o sentimento que se emprega na
aplicação de medidas faz toda a diferença, conforme referiu e bem Pacheco
Pereira. Um exemplo perfeitamente ilustrativo disso mesmo prende-se com a ideia
discriminatória que o antigo governo conseguiu disseminar um pouco por toda a
sociedade portuguesa ao dividir e distinguir entre novos/velhos,
activos/desempregados, trabalhadores/pensionistas, quem desconta/quem
recebe…Esta inconcebível propagação discriminatória conduzida pelo antigo executivo
justifica-se exactamente no sentimento de contrariedade que empregaram,
empregam e empregarão na aplicação de medidas de cariz social; a condução de
uma política social que implique a concessão de subsídios causa tal urticária
aos nossos antigos governantes que, como se de um efeito secundário dessa mesma
urticária se tratasse, eles sentem uma irreprimível necessidade de expulsar e
exprimir esse mesmo sentimento de contrariedade e antagonismo que sentem
aquando da condução e da aplicação de medidas sociais, cuspindo esse sentimento
contrariado sobre os beneficiários das referidas medidas e, assim, enchendo-os de
opróbrio ao conduzirem e dirigirem a ignobilíssima campanha discriminatória que
direccionaram contra estes e que se materializou nas inconcebíveis dicotomias
supracitadas. O sentimento de repulsa e desprezo por tais medidas sociais é tal
que a condução de uma política social por estes receptáculos de ideologia
neo-liberal assemelha-se ao acto de “dar esmola”. Um exemplo cristalino de como
a concretização de uma política social é encarada pela actual direita
portuguesa como se dar esmola se tratasse constitui-se no próprio desenho de
política social que o ex-governo concebeu há 4 anos, o designado Plano de
Emergência Social, e que consistia basicamente em distribuir, pelos
carenciados, “mantinhas pró frio e sopinha prá fome”.Mas para descrever, caracterizar e categorizar uma acção que
resulta e brota de um confronto e de um conflito intangível entre aquilo que é
o nosso ser na sua mais profunda essência e inconsciência e aquilo que é a
envolvente que nos rodeia feita de códigos morais, éticos e civilizacionais em
vigência que nos restringem a uma determinada conduta comportamental, e de que
o acto de dar esmola se constitui perfeito exemplo, ninguém melhor do que
Fiódor Dostoievski:“ – (…) o prazer da esmola é um prazer arrogante e imoral, o
prazer do ricaço pela sua riqueza, pelo seu poder e pela comparação da sua
importância com a do pobre. A esmola corrompe tanto aquele que a dá como aquele
que a recebe e, além disso, não alcança o seu objectivo, porque apenas aumenta
a pobreza (...) Entretanto, os míseros cêntimos que lhes atiram não chegam para
um centésimos das necessidades (…) A esmola devia ser proibida por lei já na sociedade
actual.” (Fiódor Dostoeievski, em “Os Demónios”)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário