Nos dois anteriores textos referi como a resposta à
dissolvência da matriz identitária da Europa no panorama internacional conduziu
a uma descaracterização interna resultando tal num agudizar da crise
identitária que acomete a União Europeia a este drama de que vos falo. Como
superá-lo?
Resultando este drama de uma confluência de duas vertentes
de alienação identitária, a ocorrida no plano externo e a respondida no plano
interno, torna-se imperativo que a superação do mesmo ocorra nas duas
vertentes.
No plano interno, urge desfazer o que de mal se fez. Tal
implica retornar urgentemente à matriz identitária inicial da Europa e aprofundá-la;
recuperar a Economia Social de Mercado enquanto modelo socio-económico vigente
e abandonar esta rendição ao Capitalismo de Último Reduto. Esta recuperação da
Economia Social de Mercado deve ser feita com um aprofundar dos princípios de
cooperação e solidariedade que a sustentam e que são fundamentais à sua subsistência.
Neste plano, e como sinal inequívoco do aprofundamento destes princípios,
torna-se imperativo o desenho e implementação de uma política fiscal comum (vide Eurobonds)
que não deixe a política monetária e a moeda única nesta orfandade definhadora
do futuro europeu e das possibilidades da União Europeia.
No plano externo, referi em escritos idos, que existem duas
formas de facultar poder diplomático no contexto internacional, a via militar e
a via financeira; referi já o despropósito e absurdo condenados ao fracasso que
seriam a União Europeia tentar adquirir um papel de relevância à mesa do mundo pela
via militar e demonstrei ainda como a tentativa de recuperar essa mesma
relevância pela via financeira degenerou numa crise identitária interna que se
somou à externa no resultado desta drama europeu. Assim, proponho uma terceira
e não tentada via para a aquisição de influência política no plano internacional: a via da opinião púbica.
Creio, genuinamente, que um poder conferido por uma opinião pública,
generalizada e magnânima favorável é mais forte do que aquele conferido por
canhões e dólares. Tal assunção é comprovável de diversas formas mas julgo que
a mais cristalina de forma a melhor se compreender o que falo reporta-se aos
próprios manuais de estratégia militar, em que é comumente assumido que o sucesso
ou fracasso das operações desta natureza depende vitalmente da aceitação ou
repúdio por parte da opinião publica dessas intervenções, e por isso os
governos que embarcam em tais empreitadas despendem tanto tempo e recursos a
convencer a opinião publica da justeza dessas iniciativas bélicas (vide
governação de George W. Bush); e não é por isso também de estanhar que quando a
opinião pública deixa de sustentar tais operações, estas pareçam iniciar um
desfalecimento conducente as seu fracasso (vide Vietname e Iraque). Facilmente
se concluirá que um Estado ou uma entidade supranacional como é o caso da União
Europeia, se for percepcionada pelo opinião pública generalizada, massiva e
magnânima como o bastião dos valores e princípios humanitários e humanistas, da
solidariedade e de conduta social correcta e justa, essa mesma entidade
torna-se, no panorama internacional, inexpugnável e detentora de um poder imune
a canhões e “incorrompível” a dólares. Esta é a via que proponho para a União
Europeia recuperar a sua preponderância internacional e assim resolver a
alienação identitária que, também neste contexto, a definha no seu futuro e nas
suas possibilidade, a via de uma opinião pública magnanimamente favorável. Como
consegui-lo? Consegui-lo-á por via da Crise dos Refugiados! A crise dos
refugiados constitui-se numa oportunidade única para a Europa se afirmar como o
bastião dos valores e princípios humanitários e humanistas, da solidariedade e
da conduta social correcta e justa; para tal terá de, como é óbvio, alterar
radicalmente o paradigma que tem ditado a sua actuação perante este que é provavelmente
o maior desafio do mundo actual e assumir-se definitivamente como a entidade
que acolherá, albergará e cuidará dos espojos humanos resultantes das outras
vias do poder, a militar e a financeira. Ao fazê-lo, a União Europeia
elevar-se-á e ao conseguir o poder de uma opinião publica internacional que lhe seja esmagadoramente favorável, colherá benefícios que ultrapassarão em muito os custos associados a uma política dedicada, comprometida e decidida no acolhimento e
integração humanitária dos refugiados. Não perceber isto politicamente apenas
se poderá explicar pelo pragmatismo bacoco e redutor das possibilidades da
União que parece, nos últimos tempos, ter tomado conta do destino da Europa.
Dirão que tal perspectiva é idealista e ingénua…Sim,
é verdade! Mas trata-se de um idealismo consciente de que o é…de um idealismo
consciente de que o pragmatismo redutor, de que falei no final do parágrafo anterior,
reduziu a Europa a uma Europa a duas velocidades cuja concretização é conduzida
e orquestrada por um bando de tecnocratas e burocratas que, a partir de
Bruxelas e escudados em Maastricht, se impõe, arrogante e abusivamente, a
governos democraticamente eleitos…de um idealismo consciente que apesar do
sonho de Martin Luther King nunca se ter concretizado, 50 anos depois tivemos
como homem mais poderoso do mundo um homem negro…de um idealismo consciente de
que os grandes avanços civilizacionais não ocorrem decorrentes de pragmatismo
mas sempre enraizados em idealismo…Trata-se de um idealismo consciente que a
superação deste drama europeu apenas ocorrerá quando se abandonar o Castelo Kafkiano
em que transformou a Europa e se ir em busca do 5º Império Pessoano nas costas
do Egeu!
“Triste
de quem vive em casa,
Contente
com o seu lar,
Sem
que um sonho, no erguer da asa,
Faça
até mais rubra a brasa
Da
lareira a abandonar!
Triste
de quem é feliz!
Vive
porque a vida dura.
Nada
na alma lhe diz
Mais
que a lição da raiz –
Ter
por vida a sepultura.
Eras
sobre eras se somem
No
tempo que em eras vem.
Ser
descontente é ser homem.
Que
as forças cegas se domem
Pela
visão que a alma tem!
E
assim, passados os quatro
Tempos
do ser que sonhou,
A
terra será teatro
Do
dia claro, que no atro
Da
erma noite começou.
Grécia,
Roma, Cristandade,
Europa
– os quatro se vão
Para
onde vai toda idade.
Quem
vem viver a verdade
Que
morreu D. Sebastião?”
(Fernando
Pessoa, em “Mensagem”)
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