Paradoxalmente, num país em crise financeira, económica e
social, têm, nos últimos tempos, emergido grandes nomes para a ribalta da
política internacional. Políticos que internamente não serviram para mudar a
inevitabilidade da crise portuguesa, destacam-se agora em cargos de grande
visibilidade no plano internacional. Vítor Constâncio como vice-presidente do
Banco Central Europeu, António Guterres como Secetário-Geral da ONU e Durão
Barroso como presidente não-executivo da Goldman Sachs (depois de já ter
presidido à Comissão Europeia) são os casos mais sonantes. Os dois últimos, por
terem já cruzado os seus caminhos em tempos idos, voltam a contar uma história
interessante e reveladora se analisarmos o paralelismo dos seus trajectos
políticos.
Tendo António Guterres ascendido ao mais alto cargo da
diplomacia internacional, o de Secretário-Geral das Nações Unidas, releva
saber, para o desempenho do seu cargo, qual o estado dessas nações unidas…? Que
mundo vai António Guterres encontrar e nesse mundo quais os desafios prementes
que lhe se apresentarão no caminho da sua missão? Sendo a sua missão a
substância da sua nomeação, que desafios se colocarão ao ex-comissário para os
Refugiados para levar a sua avante?
A nomeação de António Guterres para Secretário-Geral da ONU
obedeceu essencialmente ao consenso de que o maior desafio que se coloca ao
mundo actual e que de resolução política carece diz respeito à crise dos
Refugiados. Quando se tratou de escolher o representante das nações unidas para
lidar com este desafio do mundo actual, a questão que presidiu à escolha e que
resultou na unanimidade da escolha de Guterres terá sido: quem será dos
candidatos o mais competente para lidar com esta temática? A experiência
acumulada de António Guterres enquanto alto comissário da ONU forneceu a
resposta fácil que degenerou na supracitada unanimidade. Tem-se o homem certo
para a missão certa na altura certa! Só não temos o mundo certo…
António Guterres, na sua missão humanitária e idealista
esbarrará inevitavelmente naquilo que serão as pretensões e interesses de quem
realmente manda no mundo. O que poderá fazer António Guterres quando as medidas
que quiser implementar com vista à resolução humanitária da crise dos
refugiados forem contrárias ao interesse material e estratégico dos países
integrantes do Conselho de Segurança da ONU? O que poderá fazer António
Guterres quando quiser convencer países e nações (das unidas a que preside) a
empreender iniciativas que sejam contrárias aos interesses dos países do
Conselho de Segurança da ONU, de quem dependem económica, financeira e
militarmente? Muito pouco ou quase nada…Neste nosso mundo capitalista de último
reduto, poderá fazer mais Durão Barroso enquanto “chairman” da maior entidade
financeira mundial do que António Guterres enquanto líder da maior entidade
diplomática mundial. Será muito mais influente numa mesa de negociações com os
líderes dos países que integram o Conselho de Segurança da ONU ou o G20 (os
tubarões do mar diplomático em que Guterres se vê agora forçado a nadar) Durão
Barroso do que António Guterres. Terá, neste mundo nosso, Durão Barroso muito
mais “leverage” negocial para com esses países do que António Guterres, por
aquilo que ambos representam; enquanto que Durão Barroso poderá negociar com
esses países condições de financiamento, presença e intervenções dominantes em
mercados financeiros mundiais capazes de conferir posições dominantes na
negociata mundial, representando assim uma autoridade financeira e materialista,
António Guterres apenas poderá apelar ao respeito pelos valores e Direitos
Humanos, cartilha cuja defesa e propriedade são da entidade que lidera com o
poder que lhe é conferido pelos países do mundo, representando desta forma uma
autoridade moral e ética…E entre uma autoridade financeira e material e uma
autoridade moral e ética, mais vale António Guterres correr a pedir ajuda a
Durão Barroso se quiser mudar o quer que seja neste vosso mundo de último
reduto.
E é neste trajecto destes dois políticos nacionais, que se
conta muita da verdade do mundo actual…António Guterres foi um político que por
altos valores éticos e de dignidade política renunciou ao seu cargo de
primeiro-ministro, quando pressentindo o descontentamento de quem o elegeu com
a sua governação pôs o seu cargo à disposição, não se escusando no entanto de
ir à luta política…Foi-o e perdeu com Durão Barroso que, tendo assumido um
compromisso com o eleitorado português de o governar por 4 anos, assim que teve
uma melhor oportunidade de progressão na carreira, quebrou esse compromisso
fundamental com o povo que o elegeu, fazendo da sua candidatura a
primeiro-ministro português uma monumental mentira. Catorze anos depois, Durão
Barroso atingiu o pináculo da sua carreira de oportunismo e sagacidade política
enquanto que António Guterres alcançou o ponto mais alto da sua carreira de
idealismo e integridade política e o facto de ter de ser este último a pedir
favores ao primeiro se quiser resultados no desempenho da sua função, diz muito
do mundo em que vivemos.
E é por ter enorme respeito pelos valores e ideais emanados
do percurso político de António Guterres mas também a consciência deste mundo
em que vivemos que me resta desejar a maior sorte a António Guterres e que Deus
o acompanhe! Mas como diria Tom Waits:
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