domingo, 23 de outubro de 2016

Guterres à pesca de cherne em mar de tubarões…

Paradoxalmente, num país em crise financeira, económica e social, têm, nos últimos tempos, emergido grandes nomes para a ribalta da política internacional. Políticos que internamente não serviram para mudar a inevitabilidade da crise portuguesa, destacam-se agora em cargos de grande visibilidade no plano internacional. Vítor Constâncio como vice-presidente do Banco Central Europeu, António Guterres como Secetário-Geral da ONU e Durão Barroso como presidente não-executivo da Goldman Sachs (depois de já ter presidido à Comissão Europeia) são os casos mais sonantes. Os dois últimos, por terem já cruzado os seus caminhos em tempos idos, voltam a contar uma história interessante e reveladora se analisarmos o paralelismo dos seus trajectos políticos.

Tendo António Guterres ascendido ao mais alto cargo da diplomacia internacional, o de Secretário-Geral das Nações Unidas, releva saber, para o desempenho do seu cargo, qual o estado dessas nações unidas…? Que mundo vai António Guterres encontrar e nesse mundo quais os desafios prementes que lhe se apresentarão no caminho da sua missão? Sendo a sua missão a substância da sua nomeação, que desafios se colocarão ao ex-comissário para os Refugiados para levar a sua avante?

A nomeação de António Guterres para Secretário-Geral da ONU obedeceu essencialmente ao consenso de que o maior desafio que se coloca ao mundo actual e que de resolução política carece diz respeito à crise dos Refugiados. Quando se tratou de escolher o representante das nações unidas para lidar com este desafio do mundo actual, a questão que presidiu à escolha e que resultou na unanimidade da escolha de Guterres terá sido: quem será dos candidatos o mais competente para lidar com esta temática? A experiência acumulada de António Guterres enquanto alto comissário da ONU forneceu a resposta fácil que degenerou na supracitada unanimidade. Tem-se o homem certo para a missão certa na altura certa! Só não temos o mundo certo…

António Guterres, na sua missão humanitária e idealista esbarrará inevitavelmente naquilo que serão as pretensões e interesses de quem realmente manda no mundo. O que poderá fazer António Guterres quando as medidas que quiser implementar com vista à resolução humanitária da crise dos refugiados forem contrárias ao interesse material e estratégico dos países integrantes do Conselho de Segurança da ONU? O que poderá fazer António Guterres quando quiser convencer países e nações (das unidas a que preside) a empreender iniciativas que sejam contrárias aos interesses dos países do Conselho de Segurança da ONU, de quem dependem económica, financeira e militarmente? Muito pouco ou quase nada…Neste nosso mundo capitalista de último reduto, poderá fazer mais Durão Barroso enquanto “chairman” da maior entidade financeira mundial do que António Guterres enquanto líder da maior entidade diplomática mundial. Será muito mais influente numa mesa de negociações com os líderes dos países que integram o Conselho de Segurança da ONU ou o G20 (os tubarões do mar diplomático em que Guterres se vê agora forçado a nadar) Durão Barroso do que António Guterres. Terá, neste mundo nosso, Durão Barroso muito mais “leverage” negocial para com esses países do que António Guterres, por aquilo que ambos representam; enquanto que Durão Barroso poderá negociar com esses países condições de financiamento, presença e intervenções dominantes em mercados financeiros mundiais capazes de conferir posições dominantes na negociata mundial, representando assim uma autoridade financeira e materialista, António Guterres apenas poderá apelar ao respeito pelos valores e Direitos Humanos, cartilha cuja defesa e propriedade são da entidade que lidera com o poder que lhe é conferido pelos países do mundo, representando desta forma uma autoridade moral e ética…E entre uma autoridade financeira e material e uma autoridade moral e ética, mais vale António Guterres correr a pedir ajuda a Durão Barroso se quiser mudar o quer que seja neste vosso mundo de último reduto.

E é neste trajecto destes dois políticos nacionais, que se conta muita da verdade do mundo actual…António Guterres foi um político que por altos valores éticos e de dignidade política renunciou ao seu cargo de primeiro-ministro, quando pressentindo o descontentamento de quem o elegeu com a sua governação pôs o seu cargo à disposição, não se escusando no entanto de ir à luta política…Foi-o e perdeu com Durão Barroso que, tendo assumido um compromisso com o eleitorado português de o governar por 4 anos, assim que teve uma melhor oportunidade de progressão na carreira, quebrou esse compromisso fundamental com o povo que o elegeu, fazendo da sua candidatura a primeiro-ministro português uma monumental mentira. Catorze anos depois, Durão Barroso atingiu o pináculo da sua carreira de oportunismo e sagacidade política enquanto que António Guterres alcançou o ponto mais alto da sua carreira de idealismo e integridade política e o facto de ter de ser este último a pedir favores ao primeiro se quiser resultados no desempenho da sua função, diz muito do mundo em que vivemos.


E é por ter enorme respeito pelos valores e ideais emanados do percurso político de António Guterres mas também a consciência deste mundo em que vivemos que me resta desejar a maior sorte a António Guterres e que Deus o acompanhe! Mas como diria Tom Waits:          

Sem comentários:

Enviar um comentário