domingo, 15 de novembro de 2015

A cronologia de uma morte adiada: O Capitalismo de Último Reduto - Epílogo

Tal como um bom parasita, o Capitalismo cresceu e ramificou-se de tal forma a fazer depender de si, mortalmente até, o seu hospedeiro, as sociedades contemporâneas capitalistas em que se propaga. Perante a crise financeira, o que foi que os Estados da sociedade desenvolvida (aqui foco a minha análise no panorama europeu) fizeram? Com medo do risco de contágio a outras áreas do tecido económico e com receio de uma profunda recessão, os estados europeus decidiram aplicar uma velha receita “keynesiana” (descurando no entanto as suas premissas) consistente com o aumento da despesa pública por forma a compensar a esperada redução no Consumo e Investimento Privados e assim estimular suficientemente a Economia afim de evitar a recessão económica e as suas consequências ao nível de emprego, rendimento disponível e bem-estar da sociedade como um todo.
Os Estados, um pouco por toda a Europa, assim o fizeram seguindo as directrizes de Bruxelas e Berlim, e até de Washington, entretanto apaziguada e de tréguas feitas com Wall Street. E aqui, é aqui que o Capitalismo e os seus agentes facilitadores (chamar-lhe-eis, por um princípio de coerência textual, parasitários) demonstram a sua incrível capacidade de resiliência, de adaptação e reinvenção e transformação de ambientes hostis em novos hospedeiros receptivos à sua ganância sugadora. É aqui, é neste exacto ponto cronológico que se seguiu ao aumento generalizado da despesa pública por parte dos governos europeus, que assistimos à superação e à passagem do Capitalismo para o seu mais recente estágio evolutivo – o Capitalismo de Último Reduto. Como foi que tal se processou? Atentemos…depois de ver os Estados Europeus aumentar consideravelmente a sua despesa pública por forma a proteger a sociedade como um todo das consequências daquela ganância da iniciativa privada que se julgava para ela ser benéfica, eis que entram em cena os primeiros agentes parasitários a actuar, as agências de Rating; estas mesmas agências de Rating, privadas e de iniciativa privada claro está, que anteriormente tinham corrido a “triplo A” tudo o que era Lixo Tóxico transaccionado em Wall Street, eis que surgem agora, com uma renovada integridade analítica a criticar o despesismo público dos governos europeus, incidindo com especial atenção nos países com menores índices de produtividade. Passaram então a afirmar, com especial repetição e com ampla difusão pelos meios de comunicação social que a capacidade produtiva destes países passara a ser insuficiente para satisfazer o seu serviço de dívida, crescente em consequência da crise financeira de 2007, e em virtude disso começaram a baixar a notação de risco concedida aos Estados Europeus, prejudicando a capacidade destes de se financiarem nos mercados financeiros (passaram a ter de o fazer a custos, yields, altíssimas) e injectarem liquidez na Economia real, o que em ultima análise liquidou a capacidade destes estados em auxiliar os seus povos. Não satisfeitas, as agências de Rating cerraram o seu ataque na defesa do seu capitalismo de Mercado, de tal forma foi o ataque que classificaram vários países, soberanos, como lixo; estas mesmas agências de rating que, lembremo-nos,  classificaram como ouro toda a imundice transaccionada em Wall Street conduziram assim vários Estados a inevitáveis pedidos de assistência financeira e obrigaram outros tantos a reformas estruturais que possibilitassem pagar as suas dividas, a chegada da chamada austeridade.  De repente já ninguém falava da ganância da Wall-Street, das trafulhices dos seus agentes favoritos e do cataclismo que trouxeram à economia global…De repente já só se falava do despesismo desenfreado dos Estados, de como as suas populações tinham vivido acima das suas possibilidades e de como os Estados se revelavam incapazes de pagar a quem deviam e deviam ser punidos por tal…De repente deixou de se exigir a proibição dos “Naked Short Sellings”, a regulação incidente de “Hedge Funds”, a separação da banca de retalho da banca de investimento, uma maior regulação do sector especulativo financeiro e a taxação de transacções financeiras, deixou de se exigir o impedimento da existência de entidades capitalistas globais “too big to fail”, a nacionalização da banca e mudança de regime organizativo da sociedade… De repente passou a exigir-se que os Estados cortassem nas suas despesas com a saúde, que cortasse nas suas despesas com a educação e aumentasse impostos…De repente passámos da Crise Financeira para a Crise da Dívida Pública e pusemos o contribuinte assalariado a pagar a factura de Wall-Street, transferindo-se o ónus do privado para o público. De repente todos os governos da Europa viraram á direita, e empossaram governantes (em alguns  casos de forma claramente anti-democrática) de ideologia pró-mercado, agentes facilitadores da transição que se pretendia…De repente passámos a assistir a privatizações de sectores estratégicos como a água, a electricidade/energia e redes de transporte público… De repente as leis do mercado laboral alteraram-se estruturalmente passando a favorecer ainda mais o factor já naturalmente favorecido (o  factor Capital) e a submeter aos desejos e caprichos deste o factor naturalmente desfavorecido (o factor Trabalho)…De repente assistimos o Capitalismo galopar avassaladoramente para territórios nunca antes conspurcados pela Iniciativa Privada e assaltar o último reduto, composto por aqueles “sectores estratégicos” à sociedade…De repente o Capitalismo Financeiro metamorfoseou-se naquele que é o mais actual estágio evolutivo do capitalismo, o Capitalismo de Último Reduto. De repente já lá vão quase 10 anos e ninguém parece ter notado!

Sem comentários:

Enviar um comentário