Tal como um bom parasita, o
Capitalismo cresceu e ramificou-se de tal forma a fazer depender de si,
mortalmente até, o seu hospedeiro, as sociedades contemporâneas capitalistas em
que se propaga. Perante a crise financeira, o que foi que os Estados da
sociedade desenvolvida (aqui foco a minha análise no panorama europeu) fizeram?
Com medo do risco de contágio a outras áreas do tecido económico e com receio
de uma profunda recessão, os estados europeus decidiram aplicar uma velha
receita “keynesiana” (descurando no entanto as suas premissas) consistente com
o aumento da despesa pública por forma a compensar a esperada redução no Consumo
e Investimento Privados e assim estimular suficientemente a Economia afim de
evitar a recessão económica e as suas consequências ao nível de emprego,
rendimento disponível e bem-estar da sociedade como um todo.
Os Estados, um
pouco por toda a Europa, assim o fizeram seguindo as directrizes de Bruxelas e
Berlim, e até de Washington, entretanto apaziguada e de tréguas feitas com Wall
Street. E aqui, é aqui que o Capitalismo e os seus agentes facilitadores
(chamar-lhe-eis, por um princípio de coerência textual, parasitários)
demonstram a sua incrível capacidade de resiliência, de adaptação e reinvenção
e transformação de ambientes hostis em novos hospedeiros receptivos à sua
ganância sugadora. É aqui, é neste exacto ponto cronológico que se seguiu ao
aumento generalizado da despesa pública por parte dos governos europeus, que
assistimos à superação e à passagem do Capitalismo para o seu mais recente
estágio evolutivo – o Capitalismo de Último Reduto. Como foi que tal se
processou? Atentemos…depois de ver os Estados Europeus aumentar
consideravelmente a sua despesa pública por forma a proteger a sociedade como
um todo das consequências daquela ganância da iniciativa privada que se julgava
para ela ser benéfica, eis que entram em cena os primeiros agentes parasitários
a actuar, as agências de Rating; estas mesmas agências de Rating, privadas e de
iniciativa privada claro está, que anteriormente tinham corrido a “triplo A”
tudo o que era Lixo Tóxico transaccionado em Wall Street, eis que surgem agora,
com uma renovada integridade analítica a criticar o despesismo público dos
governos europeus, incidindo com especial atenção nos países com menores
índices de produtividade. Passaram então a afirmar, com especial repetição e
com ampla difusão pelos meios de comunicação social que a capacidade produtiva
destes países passara a ser insuficiente para satisfazer o seu serviço de dívida,
crescente em consequência da crise financeira de 2007, e em virtude disso
começaram a baixar a notação de risco concedida aos Estados Europeus,
prejudicando a capacidade destes de se financiarem nos mercados financeiros
(passaram a ter de o fazer a custos, yields, altíssimas) e injectarem liquidez
na Economia real, o que em ultima análise liquidou a capacidade destes estados
em auxiliar os seus povos. Não satisfeitas, as agências de Rating cerraram o
seu ataque na defesa do seu capitalismo de Mercado, de tal forma foi o ataque
que classificaram vários países, soberanos, como lixo; estas mesmas agências de
rating que, lembremo-nos, classificaram
como ouro toda a imundice transaccionada em Wall Street conduziram assim vários
Estados a inevitáveis pedidos de assistência financeira e obrigaram outros
tantos a reformas estruturais que possibilitassem pagar as suas dividas, a
chegada da chamada austeridade. De
repente já ninguém falava da ganância da Wall-Street, das trafulhices dos seus
agentes favoritos e do cataclismo que trouxeram à economia global…De repente já
só se falava do despesismo desenfreado dos Estados, de como as suas populações
tinham vivido acima das suas possibilidades e de como os Estados se revelavam
incapazes de pagar a quem deviam e deviam ser punidos por tal…De repente deixou
de se exigir a proibição dos “Naked Short Sellings”, a regulação incidente de
“Hedge Funds”, a separação da banca de retalho da banca de investimento, uma
maior regulação do sector especulativo financeiro e a taxação de transacções
financeiras, deixou de se exigir o impedimento da existência de entidades
capitalistas globais “too big to fail”, a nacionalização da banca e mudança de
regime organizativo da sociedade… De repente passou a exigir-se que os Estados
cortassem nas suas despesas com a saúde, que cortasse nas suas despesas com a
educação e aumentasse impostos…De repente passámos da Crise Financeira para a
Crise da Dívida Pública e pusemos o contribuinte assalariado a pagar a factura
de Wall-Street, transferindo-se o ónus do privado para o público. De repente
todos os governos da Europa viraram á direita, e empossaram governantes (em
alguns casos de forma claramente
anti-democrática) de ideologia pró-mercado, agentes facilitadores da transição
que se pretendia…De repente passámos a assistir a privatizações de sectores
estratégicos como a água, a electricidade/energia e redes de transporte público…
De repente as leis do mercado laboral alteraram-se estruturalmente passando a
favorecer ainda mais o factor já naturalmente favorecido (o factor Capital) e a submeter aos desejos e
caprichos deste o factor naturalmente desfavorecido (o factor Trabalho)…De
repente assistimos o Capitalismo galopar avassaladoramente para territórios
nunca antes conspurcados pela Iniciativa Privada e assaltar o último reduto,
composto por aqueles “sectores estratégicos” à sociedade…De repente o
Capitalismo Financeiro metamorfoseou-se naquele que é o mais actual estágio
evolutivo do capitalismo, o Capitalismo de Último Reduto. De repente já lá vão
quase 10 anos e ninguém parece ter notado!
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