Hoje era suposto publicar o epílogo da Cronologia de uma
Morte Adiada, no entanto, como podem ter já adivinhado pelo título do “post”
não o farei...Não sou dado à moralidade e muito menos a moralismos, mas não
podia deixar de sentir, na minha sensibilidade estética, que vir para aqui
palrear sobre investidores privados e agências de “rating”, na ressaca dos
eventos de ontem, para lá de insultuoso seria mesmo obsceno. Falarei, pois, do
atentado terrorista ocorrido ontem em Paris, não porque julgue ter muito a
acrescentar ou muito menos ser possuidor das palavras que possam descrever o
que se passou, como diria José Luís Peixoto hoje “espera-se sempre que os
escritores encontrem as palavras mas hoje não há palavras”…Ainda assim falarei,
falarei sobre isso porque sei que quanto mais falar sobre o que ontem se passou
mais esses eventos terríveis se distanciarão daquela imagem inquietante e que
me inquieta de horror e fealdade e maldade no seu estado mais puro e bruto e
mais se aproximarão de uma tentativa de racionalização e normalização, o que
(mesmo sabendo que o que ontem se passou nunca passará de um exercício macabro de
horror e fealdade e maldade no seu estado mais puro e bruto) me sitiará a alma
e aconchegará o coração. Assim, hoje falarei por falar…Falarei para o meu
bem-estar…Permitam-me, apenas hoje, esse egoísmo…
No despertar do pesadelo de 6ª-feira 13, muito se tem falado
sobre o que é necessário fazer para o que se passou ontem não se voltar a
repetir. Deixar de cooperar e passar a ser mais exigente e severo com países
com quem mantemos relações apenas baseadas no seu poderio económico e as suas
reservas de petróleo mas que de forma mais ou menos encapotada apoiam e
suportam inúmeras facções terroristas (vide Arábia Saudita e Qatar)…Passar a
ser mais vigilante e passar a aceita enquanto indivíduos maiores invasões á
nossa privacidade em prol da segurança…Medidas de carácter puramente militar e
estratégico. Muito se tem dito no aventar de soluções para o que se passou
ontem…Julgo que estas pessoas, tal como eu, sentem também a necessidade de
falar sobre o que ontem se passou duma perspectiva racional, como se tal lhes
possibilitasse não ter de pensar nos corpos amontoados no Bataclan, e naqueles
que rastejantes e desesperados se agarraram àquela vontade irracional de viver
que, de entre toda a irracionalidade de ontem é a única louvável. Por muito que
goste de debater politicamente, parece-me que politizar os eventos de ontem é
minimizar a sua gravidade. Isto não se trata de uma manifestação de diferença
de perspectiva política, ou religiosa ou ideológica, trata-se tão somente de
uma meia dúzia ou uma dúzia de seres (não lhes chamarei de pessoas que não o
são) que decidiram, no uso as suas faculdades, pegar em não sei quantas armas e
explosivos e ir matar mais de 100 pessoas com uma frieza hedionda. É disto que
se trata! Mais do que saber o que vai a França fazer relativamente a países
como a Arábia Saudita e Qatar ou o que vai a França e outros países legislar
sobre medidas de vigilâncias aos seus próprios cidadãos, importa tentar
perceber como é que seres, que tendo todas s faculdades naturais para se
tornarem pessoas e humanos, são capazes de fazer o que se fez ontem, de revelar
um tal desprezo pelo valor da vida humana e um tal distanciamento dos padrões
de consciência humanista que em última análise os afasta da condição de humanos
e os aproxima da de animais. Porque ser humano não é ter uma cabeça, tronco,
dois braços e duas pernas, ser humano é ter um mínimo de sentimento pela vida
humana e ter um mínimo de pensamento humanista, algo que claramente não
assistia aos animais que ontem assaltaram Paris. O que estou a tentar dizer, no
fundo, é que deveríamos, de uma vez por todas, abandonar esta terrível mania de
ter uma abordagem economicista e politizada a todo e qualquer evento de
significância decorrente do normal e as vezes anormal percurso civilizacional e
por vezes, consoante o evento, adoptar uma abordagem filosófica e humanista
capaz de nos dar respostas ao nível da condição humana e daquilo que a faz
mover ou por vezes atrofia-la até á morte, como ocorreu com os seres de ontem.
Talvez assim, deixaríamos de ter constantemente respostas conjunturais a
problemas estruturais e passássemos, de quando em vez, a de facto obter
respostas estruturais a questões também elas estruturais. O acidente trágico
civilizacional de ontem serve de exemplo perfeito a isso mesmo, um evento a que
deveríamos tentar adoptar uma abordagem humanista e filosófica e não
economicista e politizada, por insuficiente ser na obtenção de respostas que
consigam explicar tamanha hediondez. Eu, por mim e da minha parte, propus-me esse
exercício e afastando-me de razões políticas, religiosas e em geral ideológicas
perguntei o que pode ter levado estes seres a perpetrarem tamanha abjecção que
de humano não tendo nada apenas pode ser animal. O que afastou tanto estes
tipos da condição humana e os transformou nos animais que revelaram ontem ser?
Este tipo de eventos terroristas em países ocidentais
acontece normalmente, com uma rede de suporte que se desenvolve nesse próprio
país, normalmente cidadãos que, apesar de descendência de outros países têm
nacionalidade do país em que perpetram os seus actos animalescos, como parece
mais uma vez ter sido o caso de ontem. Depois não pude deixar de constatar de
como a França tem sido particularmente afectada por esta realidade, com dois
eventos desta natureza em apenas 10 meses. Do sistema de premissas indicado, deduzi
a questão lógica (é assim que se faz em Filosofia) “O que será que tem a França
que a torne mais susceptível a este tipo de eventos? O que tem a França que
torne os seus cidadão mais susceptíveis à propaganda de ódio que em última
análise os afasta da condição humana já referida e conduz à execução das
hediondezas animalescas como a de ontem?” Imediatamente me veio à cabeça o
filme “Un Français” (http://festadocinemafrances.com/16a/un-francais/),
que nos oferece um retrato da nova França, com especial incidência em Paris,
uma nova França feita não de liberdade, igualdade e fraternidade mas de
violência, racismo e xenofobia. Penso, sinceramente, que esta escalada de
intolerância para com franceses que, tendo descendência de outros países
(nomeadamente árabes e mulçumanos), são hoje acossados, perseguidos e
destratados física e psicologicamente não pode ser dissociada de uma maior
vulnerabilidade destes à propaganda de ódio terrorista e em última análise à
sua alienação da condição humana capaz de degenerar na animalidade de que ontem
serviu exemplo. Assim, mais importante que gizar medidas políticas de logística
que visem combater o terrorismo nas suas mais diversas facetas, julgo ser
infinitamente mais eficiente, com vista à erradicação de fenómenos como o
manifestado ontem, redefinir o padrão cultural e a génese das relações
inter-sociais que se estabelecem em sociedade bem como a educação e edificação das
pessoas que a integram com vista a podermos voltar à França da liberté, egalité e fraternité . Para que
a França (como qualquer outro país para o efeito) se voltar a imunizar contra
ameaças da natureza da de ontem, terá, essencialmente, de incorporar na sua
identidade o lema que apregoa, e com liberdade, igualdade e fraternidade
preconizar uma sociedade que, por mais tolerante ser mais imune se tornará à
propaganda do ódio e do terror. Assim, aconselho todos aqueles que, já estando
desertinhos para embarcar numa retórica anti-refugiados e numa retórica “Le
Pennense”, a pensarem duas vezes antes de vociferarem o inócuo dessas opiniões.
Por último, gostaria de vos deixar com a banda que ontem tocava
aquando do massacre no Bataclan, da qual sou particular apreciador, e que, por personificar
melhor do que ninguém aquele Rock libertino, libidinoso e pecaminoso que hoje
escasseia, tenho a certeza constituir-se na maior afronta possível aqueles que como
os de ontem se desviaram da condição humana e morreram que nem animais. https://www.youtube.com/watch?v=aUFT_7iQ24I
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