sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Obrigado António Costa!

Após as eleições do dia 04-10-2015, e atendendo à configuração parlamentar indefinida que resultou do voto democrático e posterior entendimento à esquerda quanto a uma solução governativa de maioria parlamentar, muito tem sido dito e vociferado quanto à legitimidade de tal solução.
Da retórica histérico-beligerante da direita portuguesa que se seguiu à negociação de uma solução governativa entre a esquerda nacional, três aspectos desta soam-me particularmente incoerentes, ilógicos e completamente despropositados; mesmo dentro da retórica referida que, por histérico-beligerante ser é já por si incoerente, ilógica e despropositada, estas três emanações dessa retórica assumem proporções de incoerência, de ilógico e de despropositado tal que chegam a roçar o idiótico e risível…
Assistir a Pedro Passos Coelho considerar ilegítima a solução governativa determinada à esquerda por esta mesma solução não ter sido apresentada previamente por António Costa em campanha pré-eleitoral, é no mínimo risível…Se atentarmos no facto de António Costa ter sempre, e com especial incidência na campanha pré-eleitoral, rejeitado a ideia de “arco da governação” e ter sempre aberta e frontalmente manifestado indisponibilidade para acordar medidas governativas com esta direita (pelo qual foi até muito criticado), nada mais natural e coerente com o seu posicionamento pré-eleitoral do que esta solução governativa à esquerda, o que torna incompreensível a argumentação de ilegitimidade evocada pelo ex-primeiro ministro. Esta incompreensibilidade assume carácter anedótico quando constatamos que esta argumentação de omissão pré-eleitoral é vociferada senão pelo campeão das omissões, das falsidades e das mentiras pré-eleitoralistas, ou já nos esquecemos de como o ex-primeiro ministro chumbou o PEC 4 dizendo, na altura, e em plena campanha pré-eleitoral, que existia um limite à austeridade e que esse limite seria ultrapassado pelo PEC 4 e que por isso o chumbou para depois, já no governo, não só ir muito mais além da austeridade que contemplava o PEC 4 mas indo mesmo além da austeridade imposta pela Troika? Ou esquecemo-nos já de como Pedro Passos Coelho garantiu, em campanha pré-eleitoral não aumentar o IVA (que de resto havia descrito anteriormente em livro por si assinado como sendo o imposto mais socialmente injusto) para depois, já no governo, não só aumentar o imposto socialmente mais injusto mas fazendo-o para a transversalidade da actividade económica, incluindo a dos bens e serviços básicos e de 1ª necessidade? Ou será que nos esquecemos de como o líder do PSD prometeu, em campanha pré-eleitoral, atingir as metas orçamentais definidas bastando para isso cortar nas “gorduras do Estado” e não ter de aumentar o peso da carga fiscal para, depois já no governo, aumentar taxas de IRS, taxas moderadoras, cortar pensões, cortar subsídios e cortar salários? Admito que o tenhamos esquecido, afinal foi há 4 anos, mas será que nos esquecemos da mais novíssima falsidade pré-eleitoral de Pedro Passos Coelho, quando, nesta ultima campanha, de forma claramente abusiva manipulou as estatísticas da cobrança fiscal afim de levar crer os portugueses que teriam direito à devolução de parte da sobretaxa de IRS cobrada, para depois já após contados os votos, se vir a descobrir que afinal não existirá qualquer reposição? É por isso que assistir a Pedro Passos Coelho definir como ilegítima a solução governativa actualmente em poder por omissão na fase pré-eleitoral é no mínimo risível, e de um risível cuja comicidade resulta do ridículo e de descarado desplante.
Não menos risível é ver também o ex-comparsa  de PPC questionar a legitimidade do governo de António Costa acusando-o de golpismo, oportunismo e de comprometer a estabilidade governativa nacional em prol de uma “sede pelo poder”. Questiono-me se é este o mesmo Paulo Portas que, em pleno auge de resgate financeiro quando se discutiam ainda as libertações das tranches da “troika”, fez uma birra irrevogável para subir a nº 2 do governo, ser nomeado vice primeiro-ministro e pôr mais uns amigos de partido no poder? Não é este mesmo Paulo Portas que nas eleições que o elegeram como Ministro dos Negócios estrangeiros admitia formar governo com PSD mesmo no caso de nenhum dos dois ser o partido mais votado? Risível, de facto, mas com um sorriso mais amarelo tamanha é a hipocrisia…
Mas o mais constrangedor e confrangedor da retórica pós eleitoral da direita constitui-se no exercício adivinhatório que empreenderam ao ditarem o sentido e intenção de voto dos portugueses…quantas vezes ouvimos os representantes da antiga coligação governativa afirmar peremptoriamente que não foi para isto que os portugueses votaram, como que detentores da sabedoria do que está por detrás da motivação todo e qualquer voto entregue nas urnas no dia 04 de Outubro de 2015, cristalizando dessa forma a prepotência de uma narrativa meramente subjectiva, especulativa e reveladora de chocante insuficiência intelectual. Neste ponto, peço desculpa, mas já não o acho tão risível; ter pessoas, com as quais sinto um abismal distanciamento em termos identitários e de visão do mundo, interpretarem, com todo o sentido de propriedade, a intenção do meu voto é, senão, insultuoso.

 Assim, permitam-me o contraponto à prepotência dos que julgam saber a intenção e motivações de quem votou, por via de um exercício que, por despido desse pretensiosismo bacoco, bem mais humilde é e que passa por revelar tão somente a MINHA intenção e o MEU sentido de voto. Nas eleições de 04 de Outubro de 2015 votei PS e em António Costa; noutras circunstâncias, teria votado no Partido Livre, partido novo de esquerda europeísta não radical e por cujo líder, Rui Tavares, nutro significativa empatia. Mas estas não são “outras circunstâncias”, estas são as circunstâncias e os tempos de uma galopada avassaladora de uma ideologia neoliberal que um pouco por toda a Europa avançou rumo ao Capitalismo de Último Reduto, que tive oportunidade de explanar em textos anteriores neste mesmo espaço, e cuja manifestação em Portugal se concretizou via governação PSD/CDS ocorrida dos últimos 4 anos. Senti claramente, aquando das últimas legislativas, que mais 4 anos da mesma orientação ideológica significariam o avanço do tal Capitalismo de Último Reduto para uma situação de ponto sem retorno. Assim, e face a esta ameaça redireccionei a MINHA intenção de voto, direccionando-a para o PS e para António Costa, com o firme fito de evitar que a coligação PàF pudesse governar durante mais 4 anos. No dia 04 de Outubro do presente ano, aquando do discurso de derrota de António Costa, senti nitidamente nesse discurso que uma vez mais o PS se vergaria perante o Arco da Governação e viabilizaria um governo PSD/CDS, contra o qual tinha direccionado o sentido do meu voto. No dia imediatamente seguinte, fui ao “site” do Partido Livre e imprimi Formulário de Adesão, tendo posto de lado a quota anual de 20€ com o propósito de me filiar determinadamente nesse novo partido. Mas eis que senão oiço um discurso que jamais pensaria ouvir de Jerónimo Sousa e eis que vejo esse discurso encontrar ressonância em António Costa e no PS…Havia ainda esperança, arrecadei o formulário do LIVRE numa gaveta e os 20€ voltaram à carteira. Aguardei, aguardei até que finalmente, quando António Costa se afastou irrevogavelmente da coligação PàF e firmou acordo com BE e PCP/PEV, inviabilizando mais 4 anos de governação PSD/CDS, deu, assim, sentido pleno ao meu voto. E por isso agradeço a António Costa, por dotar a sua acção de toda a representatividade que o meu voto lhe conferiu e assim digo: Obrigado António Costa por não ter traído o meu voto!

5 comentários:

  1. O melhor desta situação é a clarificação de que agora o partido mais votado não forma necessariamente governo. Ao enfraquecer a utilidade do voto útil, este novo paradigma dá-te mais liberdade para no futuro poderes votar Livre sem receio de estares a fortalecer o campo oposto.

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  2. Meu caro, essa questão do voto no Parlamento e não num Governo é da mais elementar importância. Não aprofundarei muito esta discussão pois é exactamente sobre essa temática que incidirá o meu próximo texto, que de resto já está escrito. Digo só que quem vai votar sem saber para o que vota constitui-se num perfeito exemplo de uma contribuição para a degradação da qualidade da nossa democracia, que já agora, convém lembrar, é uma democracia parlamentar.

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  3. Antes de mais, gostaria de parabenizar os criadores deste blog, que tanto aprecio, bem como de sublinhar o meu contentamento por terem regressado aos escritos.
    No que diz respeito à temática abordada por este texto em particular, devo dizer que concordo, na essência, com o que foi explanado.
    Não me cabe a mim nem a qualquer cidadão questionar o voto de outrém. Só desejo que TODOS os cidadãos tenham votado tão em consciência como o fiz - se assim foi, fico em paz com o futuro de todos nós. Houve, de facto, uma maioria de votantes à esquerda e este governo representá-los-à, com toda a certeza. Assim é em democracia.
    Não pretendo aqui escrever um texto (até porque não contribuo para 'Os Desconfusos'), mas gostaria de deixar abaixo algumas medidas representativas do motivo pelo qual este governo não é aquele que escolhi para me representar:
    - "A criação de uma nova prestação social destinada a melhorar o rendimento dos trabalhadores pobres (...)" - Mais uma?
    - "Desbloquear a negociação coletiva no setor público" e "(...) revalorizar os funcionários
    públicos e o exercício de funções na Administração Pública" - ao invés de regular e controlar os excessos que sempre existiram neste sector, vamos voltar a dar-lhes o poder secular de serem os cidadãos de primeira em Portugal? 35 horas??? Porquê? Têm menos capacidade de trabalho do que os funcionários do sector privado? É que, se assim é, e se só podem trabalhar 35 horas porque não aguentam mais e melhor, então faz todo o sentido que recebam menos...
    - "A nossa política educativa garantirá a igualdade de acesso de todas as crianças à escola pública e promoverá o sucesso educativo de todos, designadamente ao longo dos 12 anos de escolaridade obrigatória (...)" - promoção, por parte do Estado, do sucesso educativo de todos? O sucesso educativo não depende de ofertas generosas de diplomas por parte do Estado, e muito menos da adopção de técnicas pedagógicas inovadoras que levem as criancinhas a querer ser alguém. O querer ser bem sucedido não é exógeno!
    Poderia continuar com muitas mais medidas, mas nem tenho vontade de falar no imposto sucessório e no IMI.
    Termino com aquilo que é a grande bandeira deste governo - aumentar o rendimento disponível das famílias (leia-se, das famílias mais pobres à custa das famílias que mais têm, fruto único e exclusivo do seu trabalho de mais de 35 horas semanais), para com isso incentivar a economia. Como? Explique, Sr. Primeiro Ministro, como exactamente é que pôr mais dinheiro nas mãos dos cidadãos promoverá o crescimento económico? Historicamente, e sempre que tivemos crise em Portugal, foi a iniciativa privada que acelerou e recuperou a economia. Pode ser que desta vez seja diferente... Assim o espero, para o bem de todos os que este governo representa e também para os que, como no meu caso, não representa.
    Bem haja.

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    1. Olá Andreia, desde já o meu agradecimento pelos teus comentários abonatórios para com este espaço de discussão e de exposição de ideias (teriam mais valor não fossem os laços de irmandade que nos unem...:-)). Mas apesar desses mesmos laços de irmandade, temos visões e perspectivas políticas mais distantes do que primos em quinquagésimo grau. Permite-me então abordar as questões por ti levantadas duma perspectiva às direitas:
      1º- "A criação de uma nova prestação social destinada a melhorar o rendimento dos trabalhadores pobres (...)" - não quereria aprofundar muito esta questão pois ela será alvo do meu próximo texto, no qual me auxiliarei de Pacheco Pereira e Fiódor Dostoievski para expôr a forma elitista, classicista e completamente despida de qualquer valor ou princípio humanitário e humanista com que a actual direita política neoliberal (em Portugal e em toda a Europa) encara a Política Social e a adopção de medidas sociais, como se de esmolas se tratassem; é de um alheamento à dignidade da própria condição humana confrangedora e lamento, genuinamente, que partilhes desse distanciamento.
      2º- quanto ao horário de 35 horas semanais para os funcionários públicos, pergunto-te se os trabalhadores do sector privado viram os seus salários acima de 1.500€ serem cortados? Então aí já não interessa falar sobre a dictomia privado/público? A tua interpelação nesta temática é muito influenciada pela retórica dogmática e doutrinária separatista do ex-governo que fazia questão de discriminar privado/publico, empregado/desempregado, activo/reformado, quem desconta/quem beneficia...no fundo esta tua questão é uma emanação da visão discriminatória com que, obscenamente, este governo direccionou a governação de toda uma sociedade e que com a conivência de importantes meios de comunicação social conseguiu propagar, que nem um contágio epidêmico, a pessoas como tu.
      3º- quanto à questão educativa, esta é da mais fundamental importância e concordo contigo quando te insurges contra os "facilitismos" favoráveis a estatísticas bonitas - é uma conveniência política inadmissível pois como digo a educação é, na minha opinião, um pilar basilar e fundamental no modelo de desenvolvimento que, pelo menos, eu preconizo...Mas uma coisa te digo, já é, pelo menos bom, voltar a falar de educação após 4 anos de travessia no deserto, e embora o sucesso escolar não dependa exclusivamente de factores exógenos, muito deles depende, quanto mais não seja numa questão de igualdade de oportunidades de acesso e não restrição ao acesso a ensino de qualidade a apenas alguns.

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    2. Quanto à questão de aumentar o rendimento disponível das famílias é um tópico que dará para muito texto que justificará um novo "post" e não somente um parêntesis nesta minha resposta., pelo que aqui aceito o desafio de sobre esse tópico escrever no futuro.
      Quanto ao imposto sucessório, desafio-te a falares dele...É inconcebível e incompreensível para mim como é que podes ficar impávida e serena quando assistes a um governo carregar "forte e feio" na taxação sistemática do rendimento proveniente do trabalho (eles só conhecem a austeridade que incida sobre o trabalho), que é um rendimento justo, meritório e proveniente do teu esforço, da tua capacidade, do teu trabalho e da tua actividade produtiva em sociedade e depois te insurges contra a taxação do rendimento proveniente de herança, que é um rendimento perpetuador das crónicas desigualdades de acesso a oportunidades, que é um rendimento que coloca certos indivíduos num ponto de partida (em termos de bem estar social) à frente dos outros, sem que para isso tenham contribuído com o que quer que seja, a não ser com o faco de terem nascido em berço regalado..Então mas afinal onde é que está o vosso, dos neoliberais, cantado sentido de meritocracia? Eu digo mais até: a taxação sucessória deveria ser, em termos de taxa, o dobro da taxação do trabalho, quanto mais não fosse por uma mera questão de justiça social. É claro que depois assistimos aos sectores da sociedade afectados reagir como os menininhos riquinhos filhinhos de papá que são, e ameaçar transferir essa sua riqueza de fidalguia para outros países, fazendo jus à perfeita mobilidade de capitais que vigora neste nosso modelo capitalista; pois eu digo que transfiram, que transfiram esse capital todo e se transfiram a eles mesmos para fora do país, cá não fazem falta pois já é altura de deixar de submeter tudo ao capital e ao financeiro e finalmente ter a coragem de submeter o capital a uma, nem que seja vaga, ideia de justiça social.
      Por último, gostaria de agradecer, sinceramente, o teu comentário...Gostava sinceramente de ver mais respostas e expressões do contraditório àquilo que eu aqui escrevo. Faço esse apelo a todos os que leem o que aqui é postado, até porque, como diz o nosso actual ministro dos negócios estrangeiros, "o que eu gosto mesmo é de malhar na direita!" :-)

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