domingo, 17 de abril de 2016

A Grécia e o “Bullying”

Há tempos fiz notar que uma das principais, senão a principal diferença entre este e o anterior governo constituía-se no alheamento e no alinhamento, respectivamente, com a lógica sequestradora do Capitalismo de Último Reduto (vide Capitalismo de Último Reduto em Portugal – a diferença irrevogável entre PS e (este) PSD). Na altura, referi-me essencialmente, para ilustrar essa diferenciação, à concepção de diferentes modelos de crescimento económico por parte do antigo governo e por parte do actual, porquanto o primeiro concebia um modelo de crescimento concordante com esse mesmo capitalismo sequestrador e o segundo concebe um modelo de crescimento de ruptura com o último estágio evolutivo do Capitalismo.

Mas esta diferença irrevogável entre PS e (este) PSD não se esgota na concepção dos respectivos modelos de crescimento económico, manifestando-se também com particular evidência na tomada de posições no que à política externa diz respeito. No último texto postado (vide Luaty Beirão e o Capitalismo de Último Reduto), evidenciei mais uma manifestação desta diferenciação, gritada na propositura por parte de PS à condenação da condenação pelo regime Angolano de Luaty Beirão e à estridente recusa por parte de PSD. No presente texto proponho-me evidenciar mais uma manifestação da dicotomia alinhamento/alheamento ao Capitalismo de Último de Reduto latente entre o anterior e actual governo, servindo desta vez como exemplo cristalino dessa diferenciação o posicionamento perante a Grécia e a sua crise.

Aquando da discussão da concessão do último empréstimo à Grécia, a União Europeia comandada por Alemanha e suportada pela tecnocracia de Bruxelas mostrou o seu verdadeiro rosto, que não é o da cooperação e de solidariedade mas a de força arrogante e sobranceira do poder do mais forte perante o mais fraco, que a “Bullying” se assemelha. Aprofundemos a analogia…

Imaginemos a Alemanha como o rufia principal da escola que é a União Europeia e Bruxelas e os seus tecnocratas os amigos rufias seguidores daquele; Grécia, Portugal e Espanha constituem-se naqueles a quem frequentemente roubam a lancheira.
Depois de tanto ter infernizado a vida aos pequenos marginalizados, com medidas de austeridade que roubaram o recheio das suas lancheiras, o “bully” Alemanha preparava-se para mais uma emboscada à petiz Grécia, mas desta vez existiam dúvidas legítimas se neste assalto de “bullying”, seria acompanhada pelos seus comparsas habituais de Bruxelas, isto porque estes últimos começavam a duvidar dos proveitos que tais investidas desta natureza geravam, atentando no facto de depois de tantos almoços e lanches roubados aos pequenos e fracos, Grécia, Portugal e Espanha terem começado a deixar de levar almoço para a escola e terem passado a ir comer a casa ou até passarem fome, tal era a vergonha e humilhação a que eram acometidos por estes actos de “Bullying” a que amiúde eram sujeitos. Pressentindo tal relutância por parte de Bruxelas, a Grécia encheu-se de coragem e preparou-se para fazer frente à temível Alemanha; perspectivando que esta se apresentaria sozinha para a confrontação, a Grécia contava que Portugal e Espanha se aliassem a ela para fazer frente à Alemanha, pois constituir-se-ia esta numa oportunidade única de bater o pé a este “bully” desenfreado e assim fazer com que ele nunca mais voltasse a roubar as suas lancheiras nem a dar “calduços” e bofetões humilhantes que já se tornavam prática comum na escola. Chegado o dia, e quando a Grécia passava no corredor da cafetaria com a sua lancheira eis que lhe salta à frente a Alemanha e exige-lhe ameaçadoramente o seu almoço e lanche; a Grécia mantém-se firme e diz que desta vez não lhos dará, ao mesmo tempo que olha para trás de si e constata tristemente que lá não estão nem Portugal nem Espanha nem Itália nem Irlanda…Olhando mais atentamente a Grécia enxerga, escondidos por detrás da máquina de refrigerantes, os seus ex-companheiros de humilhação a presenciar a cena. Mas Portugal não se limitou à atitude covarde de se esconder a assistir a mais uma exacerbação sobranceira de força da Alemanha sobre a “fracalhota” Grécia, não… Portugal, numa derradeira manifestação da mais desprezível covardia desatou a correr a ir chamar os “bullies” de Bruxelas gritando que a Grécia hoje trazia a lancheira cheia de muitos e bons petiscos e que havia muito com que os de Bruxelas podiam ainda encher o bandulho (como as privatizações de muitos sectores de actividade económica grega ainda no domínio publico, como o património de propriedade pública, como reformas de valor elevado concedidas em tenras idades, etc. etc.), na esperança patética de com esta atitude bajuladora e submissa cair nas boas graças dos seus carrascos do costume e assim evitar que no futuro se metessem com ele… Como esperado, e depois do chamamento de Portugal e de muitos “calduços”, pontapés e ameaças a Grécia lá capitulou, entregando uma vez mais a sua lancheira aos “bullies” que até de expulsão da escola ameaçaram a pequena Grécia.

A metáfora supracitada evidencia o que foi a posição assumida pelo então governo de Pedro Passos Coelho perante a crise grega, posição de resto suportada e apoiada pela maioria da sociedade portuguesa, que entendeu tal distanciamento da Grécia e aproximação à Alemanha e Bruxelas como uma tomada de posição responsável e consequente, numa demonstração cabal e vergonhosa de submissão de tudo, de todo o tipo de valores e princípios, ao primado financeiro, naquilo que se pode definir como mais uma manifestação do Capitalismo de Último Reduto:
- manifestação grega: perante a possibilidade de confrontar a União Europeia e as forças que nela mandam com o fracasso comprovado com que a estratégia “austeritária” está a destruir o tecido da construção europeia, Portugal de Pedro Passos Coelho optou por alinhar com os prossecutores dessa mesma estratégia. Porque o fez? Para além de uma clara identificação ideológica que o antigo governo nutria por este tipo de medidas, que para a sustentação argumentativa aqui desejada não vem ao caso, se Portugal assumisse uma posição correcta em termos dos princípio e valores que devem orientar a condução da sua política externa no âmbito da União Europeia e denunciasse e se opusesse a esta sobranceira chantagem típica de “bullying” levada a cabo contra a Grécia, tal seria percepcionado pelo Alto Capital e pelos seus mercados como uma apologia de Portugal a um certo tipo de relaxamento no controlo das contas publicas, o que por sua vez seria percebido pelas agência de “rating” como um aumento do risco de não cumprir com o seu serviço de dívida, levando a notações de risco mais desfavoráveis que implicariam o acesso a mercados de dívida ainda mais dificultado podendo tal ainda espoletar a necessidade de um novo auxílio financeiro e logo novas medidas de austeridade castradoras das potencialidades de crescimento e desenvolvimento socioeconómico português. Assim, concluir-se-á que o abandono a que Portugal vetou a Grécia e o seu alinhamento com os mais fortes da Europa, seus habituais “bullies” de serviço, constitui-se numa medida social de combate à austeridade na defesa das possibilidades de crescimento económico e desenvolvimento da população portuguesa, culminando tal dedução lógica naquilo que é o sequestro da política externa por parte do Capital, numa nova demonstração cabal de submissão de tudo ao primado financeiro…Assim é no Capitalismo de Último Reduto…

"Se quem pede o empréstimo e o vai gerir diz que aquilo não vai resultar, o melhor é não perdermos dinheiro. Eu direi, portanto, que é necessária uma atitude diferente da parte do Governo grego para que as coisas possam resultar (…) Devo dizer até que, curiosamente, a solução que acabou por desbloquear o último problema que estava em aberto, que era justamente a solução quanto à utilização do fundo [de privatizações], partiu de uma ideia que eu próprio sugeri. Quer dizer que até tivemos, por acaso, uma intervenção que ajudou a desbloquear o problema (…) 25 mil milhões pudessem ser utilizados para, de certa maneira, poder privatizar os bancos que estão agora a ser recapitalizados". (Pedro Passos Coelho, no rescaldo das “negociações” entre União Europeia e Grécia).

A manifestação aqui descrita designa na perfeição a capacidade sequestradora deste Capitalismo de Último Reduto; uma capacidade suportada por um pragmatismo lógico e coerente que torna só mais difícil a sua refutação. Medidas que são, por si, socialmente injustas, anti-democráticas e eticamente reprováveis mas que ao abrigo deste modelo económico-social de Capitalismo de Último Reduto se revestem de sentido lógico, coerência e pertinência apenas podem atestar a perversão e perniciosidade deste mesmo modelo.

Felizmente, o actual governo parece não querer afinar com este diapasão do Capitalismo de Último Reduto, o que ficou bem latente aquando da recente visita de António Costa á Grécia e subsequente assinatura conjunta de Declaração contra Austeridade na Europa.
"Nós temos todos beneficiado muito de uma atuação do Banco Central Europeu, que não existia em 2010, e que graças a isso houve uma redução geral das taxas de juro, no conjunto da zona euro (...) mas não nos devemos deixar iludir de que essa redução significou que o problema estrutural da assimetria das economias ficou ultrapassado e que não necessitamos de ter um instrumento e um novo impulso para a convergência económica. Seria um erro pensarmos isso" (António Costa, no rescaldo da visita à Grécia)

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